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terça-feira, 31 de maio de 2016

Atividade: Garrafas sensoriais

Quando a Bia nem sentava ainda, eu já procurava atividades para estimulá-la. Assistindo a vários vídeos, lendo alguns blogs e artigos, acabei conhecendo as garrafas sensoriais. Achei super legal e fácil de fazer. Comecei a juntar garrafinhas e montei uma série dessas preciosidades sensoriais para Bia. Ela as tem até hoje e às vezes passa um bom tempo se divertindo as explorando.

Baseada no método Montessori, as garrafas sensoriais partem do princípio que as crianças pequenas exploram o mundo através das sensações. Elas precisam ver, tocar, sentir, cheirar, ouvir. Experimentar várias vezes e relacionar esse conhecimento com o mundo que as cerca.

A partir dos seis meses de idade, essa atividade já passa a interessar. E é bastante simples de fazer, basta um pouco de criatividade. Pega-se garrafas plásticas, de preferência, as garrafas cujo plástico seja um pouco mais resistente, pois elas vão sofrer quedas e outros desafios. Então, você as enche com diferentes materiais que possam chamar a atenção das crianças de forma distinta. Exemplo, água e miçangas coloridas para ativar a visão ou grãos de milho que ao serem chacoalhados estimulam a audição. As possibilidades são infinitas. 

Cada garrafa ensina uma porção de coisas para as crianças. Vou exemplificar com algumas da garrafas que fiz para Bia. Ela tem uma garrafa que é uma mistura de óleo e água. Coloquei um pouco de corante na água para ficar mais estimulante visualmente. Essa garrafa, quando chacoalhada pela criança, mistura os dois elementos, mas, como sabemos, a água vai se separar do óleo e a criança vai acompanhando o processo. Também temos uma garrafa com água e detergente, quando é mexida, gera espuma. A água está com o corante vermelho, mas a espuma que se forma é branca. As crianças vão aprender que existem mudanças reversíveis e irreversíveis, pois espuma, aos poucos tornara a virar água e detergente. Temos ainda diferentes garrafas com objetos sólidos que provocam diferentes sons, milho no plástico, sal grosso na garrafa de metal, entre outros. Fiz também uma garrafa com detergente, a densidade é diferente e os objetos mexem mais lentamente na garrafa.


Vou deixar aqui um vídeo que me deu várias ideias.

São 26 minutos de ideias, nem todas compensam para bebês, porém, algumas são excelentes para crianças maiores. Dizem que as garrafas funcionam bem com crianças até cinco anos. Bom, posso dizer que a minha de dois ainda se interessa pelas dela. E certamente, com alguma criatividade, novas garrafas com diferentes aprendizados ainda a atrairiam. 

Por isso, pode investir nessa brincadeira barata e fascinante. Tome apenas alguns cuidados, verifique a qualidade da garrafa para evitar acidentes. Passe cola quente na tampa para que a criança não consiga abrir a garrafa. E supervisione a atividade sempre.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Cultura de Estupro

No carnaval de 1999, quando eu tinha 17 anos, uns amigos de escola estavam sem lugar para ir no carnaval e eu sempre ia com minha família para Morro Branco. Na época, era o point do carnaval aqui do Ceará. De última hora, esses dois amigos foram lá para casa comigo. 

Meus amigos encontraram outros amigos que alugaram uma casa. Eu conhecia várias pessoas daquele grupo, uns bem, outros nem tanto. E, na hora da festa, estávamos todos juntos. Aquele clima de paquera natural da faixa etária, aquele grupo grande de adolescente testando limites e a loucura do carnaval. 

Particularmente, eu sempre tive noção de limites. Dos meus próprios limites. Eu sempre me respeitei muito. E nunca trilhei caminhos que me causassem medo, uma luz de alerta sempre acendeu na minha cabeça e eu simplesmente não ia pela cabeça dos outros. Em outras palavras, eu sou careta pra caralho. Não bebo, não fumo, não uso entorpecentes de nenhuma natureza, não saio por aí abrindo as pernas para qualquer um com sorriso bonito e mente podre, tampouco esqueço o que fiz na balada. Comigo é de cara limpa. Nem por isso sou santa, viu?

Entretanto, quero deixar claro que respeito qualquer um/uma que o faça. Apesar de perigoso, deve até ser divertido de vez em quando... Compreendo os benefícios de uma pequena fuga da realidade.

Voltando ao carnaval de 1999, dentro desse grupo de amigos e colegas, havia uma garota que eu conhecia da escola. Ela era da pá virada. Muito álcool. Muito beijo na boca. Muita adrenalina. Tatuagem do quadril à virilha. Uma rosa cheia de espinhos que ela fazia questão de mostrar através de suas roupas. Acho que ela passou o carnaval embriagada. Eu, pelo menos, só a vi assim. Na piscina, na praia, na praça. Sempre com a boca em alguém. Rindo e provocando.

Eu realmente não gostava dessa garota. Nós não tínhamos a mesma forma de pensar. E ela colocava a minha atitude em perspectiva. Para os outros, talvez, eu parecesse uma boboca com hora para voltar para casa, enquanto ela era independente e se divertia como garota descolada que era. Mas, do meu ponto de vista, ela estava exagerando. Ela era fácil. Se é que vocês me entendem...

Afinal, eu era para casar. Ainda sou.

Bom, em uma das noites, essa moça estava muito alcoolizada. Provavelmente, ela usara outras coisas também. Lembro que o pensamento que tive olhando para ela cambaleando para lá e para cá, os olhos totalmente sem vida, foi a de uma catraca do Paranjana. As pessoas passavam e mexiam com ela, os homens a puxavam, tocavam nela sem menor respeito. Ela sorria. Ela gargalhava. Depois, caía no chão e ficava lá.

Era constrangedor, mas era também ela sendo ela.

De repente, um cara começa a beijá-la. Naquele estado. Não sei realmente dizer se ela queria ou não, se sabia o que estava fazendo ou não, pois os trejeitos de sedução continuavam, apesar da visível perda dos sentidos. Esse cara começou a puxá-la para o meio da multidão.

Acredito eu que, naquelas condições, longe do grupo, aconteceria com essa garota exatamente o que aconteceu com a menina no Rio. Bem, eu estava lá, sóbria. Ciente do que eu estava vendo. Eu não fiz nada. Simplesmente não achei que devesse fazer. Vocês acreditam? Eu achei que cada uma deveria saber de si... Achei que ela era aquilo ali mesmo. Que estava buscando uma coisa assim.

Uma garota de dezessete anos como eu. Da minha escola.

Felizmente, um homem, um amigo dela, igualmente bêbado, igualmente entorpecido, puxou-a. O cara ainda quis fazer alguma coisa, mas quando viu o tamanho do grupo, desistiu. A garota mesmo, continuava apática.

Esse rapaz, sempre achei que ele tivesse o coração bom, ficou cuidando da amiga o restante da noite. Abriu mão da sua noite de festa para cuidar da bêbada. Até onde sei, voltaram todos bem para a casa.

Moral da história: Julgar é fácil, fazer alguma coisa a respeito é bem mais difícil.

Sou feminista. Sou mesmo. Mas, como todo mundo, estou também impregnada por valores. Hoje, penso diferente, é claro. Porém, naquele dia, eu não teria, como não tive, a menor reação diante da atitude do rapaz, porque na minha cabeça, ela estava procurando aquilo. Ela era esse TIPO de moça.

Pessoas, não quero relativizar o crime do Rio. Em pleno século XXI, qualquer justificativa que atribua a causa de um absurdo desses à vítima é hediondo. Achar que esses caras são monstros também, a meu ver, não define e nem ajuda a resolver. Eles simplesmente pensaram que ela era esse TIPO de moça.

Nós precisamos é entender de uma vez que não existe esse TIPO de moça. Ninguém deve ser violentado. De forma nenhuma, em momento nenhum, por nenhum motivo.

Tenho visto na internet, um discurso de ódio (cada dia mais comum esse discurso, sobre qualquer assunto). Coloca-se a culpa no HOMEM. Quem dera fosse assim. Apontar o dedo para o culpado e resolver o problema. As mulheres se poem no lugar da vítima, porque sofrem assédio. Até aí tudo bem. A questão é que nós também fazemos parte desse jogo cultural, alimentando com valores esses comportamentos. Afinal: quem tiver suas cabras que tome conta, porque meu bode está solto.

Nós criamos esses homens. Nós supervalorizamos a força. Nós os ensinamos a serem machos, para além de serem humanos. E ser macho é se contrapor a outro macho, é ser melhor. E para ser melhor, não existe espaço para ver o outro como um igual, nem a um amigo, quanto mais uma fêmea, que é meramente um objeto a ser disputado. Bestial assim.

Homem não chora. Homem não cozinha. Homem não abraça outro homem. Homem não usa rosa. Homem não tem frescura. Homem que é homem não dança, não rebola. Homem tem pegada. Homem não dispensa. Homem tem que ter atitude. Homem...

Dentre tantas obrigações e a empatia, cadê?
Não vamos nos eximir dessa responsabilidade. Não são os homens que estão ensinando as novas gerações. Pelo menos, não exclusivamente. Claro que a sociedade interfere, mas, como família, precisamos mudar certos valores. URGENTEMENTE.

Nós temos que empoderar as mulheres para lidar com esse mundo cheio de preconceito. SIM. Mas, sem sombra de dúvida, nós precisamos ensinar os meninos a sentir. A ver o outro como alguém. A ajudar. A se permitir errar, a se permitir fracassar, a se permitir falhar...

Precisamos criar pessoas para além de gêneros. E essa é uma tarefa de todos. Uma responsabilidade de todos. Da humanidade.

Nesse dia, homem que é homem dispensará sim. Porque ele também vai ser definido por algo a mais do que uma tentativa fácil de conseguir sexo. 

E mesmo que esse dia ainda esteja longe, imaginar um mundo com mais gente como o rapaz que perdeu sua noite para cuidar da amiga não parece tão impossível assim. Ou parece?

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Atividade: polvo de rolo de papel higiênico

Bia está gripada de novo. Esse período do ano é fogo. E a ida ao Beach Park deve ter sobrecarregado o sistema imunológico dela. Ainda assim, valeu. O caso é que estamos juntas desde segunda à tarde. E a casa fica pequena para uma criança ativa, acredite. Por isso, dá-lhe criatividade para enfrentar o dengo, a maratona de remédio e as brincadeiras sem sair de casa...

Uma curiosidade para vocês, trouxe da casa do meu avô um costume, não jogar os rolos de papel higiênico fora. Meu avô enrolava mais papel nos rolos de papel já existentes, a gente não via o rolo em si nunca. Acho que vou me lembrar para sempre dos rolos supergrossos com camadas amareladas cuja idade só seria presumida com carbono-14. Por conta dessa particularidade do vovô, sempre acho que não posso jogar o rolo fora. Eles ficam acumulando por aqui.

Com a chegada da Bia, isso foi ótimo, pois são inúmeras as atividades a serem feitas com os ditos rolos de papel. Como ela está entrando no simbólico, ou seja, começa a fazer de conta, objetos de sucata são um prato cheio.

Na internet, existem ideias fantásticas, da lembrancinha de aniversário ao projeto de arte com a criança um pouco mais velha. Podem procurar. Eu resolvi fazer um polvo. Olha como é simples.

Material:
Tinta guache
pincel
rolo de papel
canetinha
cola
olhinhos (você compra em loja de aviamentos para costura, tem vários tamanhos. Também achei nas lojas de bijuteria e papelarias grandes. Baratinho: R$4,00 cinquenta unidades.)

Pintei o rolinho com tinta.
Colei os olhinhos
Desenhei o sorriso com canetinha
E, por fim, recortei os tentáculos.

Durou segundos, é claro. Na fase em que a Bia está, ela quer saber como funciona, se serve para qualquer coisa, se cabe, se resiste. Bem, rolos de papel higiênico não são o material mais resistente do mundo. Enfim, a mente ainda começou no universo simbólico, o sensorial domina, fazer o quê?

Mas ela adorou a ideia do projeto. e de ver o brinquedo se transformando. Estava muito ansiosa para brincar. Mesmo a brincadeira durando tão pouco.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Diário de escrita

Olá, pessoas,
o ócio é realmente um dos melhores amigos do artista. Ficar em casa, mesmo com a faxina para fazer, tem mexido com a minha escrita. E, por conta disso, o próximo livro está bem encaminhado. Até o momento, são quase sessenta páginas do que eu acredito que chegarão a cento e vinte e poucas.

Em verdade, acho que a sequência de fatos já estava relativamente organizada e conheço tão bem esses personagens que as suas falas e atitudes vão saindo naturalmente. Está sendo muito prazeroso escrever. E atar todos os fios soltos que deixei. Ou pelos menos aqueles que considero importante. Outros fios, no entanto, vão precisar ficar soltos mesmo. Por um bom motivo ou para ativar a imaginação de vocês. 

Espero sinceramente que eu consiga contentar a maioria.

Será um livro curto. Menor do que os últimos que chegaram a casa das duzentas páginas. Não quero colocar muitos acontecimentos paralelos, pois tenho que dar um ponto final na história de vários personagens (tenho uma porção de spoilers para vocês). Então, estou focando na tentativa de resolver a vida do Vini. Mas ele ainda está meio indeciso...

Com relação aos spoilers, até esse momento, coisas novas já aconteceram com Ana Maria, Pedro, Mariana, André, Lorena, Letícia e por aí vai...

Mas era de se esperar que coisas novas acontecessem. Esse livro se passa aproximadamente cinco anos depois do último. Vinícios está completando 26 anos, mora sozinho e montou uma firma de engenharia com um amigo.

Malu aceita uma excelente proposta de emprego no Brasil. Acima de tudo, ela vem determinada a reconquistar seu grande amor. Porém, vai encontrá-lo feliz. Mesmo estando muito diferente do que era antes (acredite em mim, Maria Lúcia está beeeem diferente), ela sabe que não é justo pedir nada.

Ambos estão bastante confusos no presente momento da narrativa. Começam a perceber que o passado ficou para trás de qualquer forma e que o futuro é uma incerteza em construção...

Quantas reticências, não é mesmo?

Vou deixar mais algumas de presente.

1) Alguém vai engravidar;
2) Veremos uma proposta de casamento incrível;
3) Voltaremos a saber da Rosana;
4) Felipe, pode até ser citado, mas não vai mais aparecer nas histórias;
5) Um exame de laboratório vai mexer com a vida de muita gente.

Acho que está bom por hoje.

Deixo esses três pontinhos para mexer com a imaginação de vocês...

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil

O agressor desenhado por Toni, 6 anos
Hoje não estava nem um pouco disposta a escrever, mas uma notícia, mais uma dentre o circo de horrores a que estamos nos habituando a viver, acabou por me chamar a atenção e eu precisava falar sobre isso.

Abuso e exploração sexual. Esse é um tema asqueroso até para adultos, mas falar sobre o que acontece com as crianças é doloroso e indigesto. Porém, é algo que precisa ser dito e escancarado. Discutido, conversado, esclarecido. As pessoas têm que trocar experiências a esse respeito, para que a informação circule, para que os sinais sejam reconhecidos, para identificar agressores, para punir, para acabar com esse pesadelo de porta fechadas.

Acreditamos, inocentes em nós mesmos, que coisas assim não nos atingem, que não chegam nas nossas famílias "normais" e esse ledo engano é o que faz o sofrimento ser prolongado. As evidências serem disfarçadas. E a página da vida ser virada como se um abuso sexual infantil fosse um tipo de mancha na história pessoal de alguém que pode ser esquecido.

Preferimos fazer isso porque geralmente os agressores são conhecidos. O amigo, o padrinho, o vizinho, o pai, o avô. E não excluamos as mulheres disso, pois embora em menor número, elas fazem parte dessa triste realidade também: a babá, a tia, a amiga, a vizinha. Sendo agressoras ou coniventes.

Victor, 7 anos, Ele era obrigado, aos 4 anos de idade, a fazer sexo oral no seu pai. A linha que sai da boca dele e vai até o pênis do pai representa a sua língua.
Conivência, inclusive, é o cerne da questão. Somos todos. Protegidos pelo bom e velho "não meter a colher". Mas será que devemos agir assim quando as vítimas são crianças? É uma discussão bem séria essa, afinal, ao proteger do abuso, muitas vezes estamos jogando a criança nas mãos do governo, nos abrigos, longe da família. E é difícil prever o que causa um maior impacto emocional. Realmente não sei. Queria saber...

Enquanto mãe, exaspera-me a possibilidade de não agir diante desses casos. Sou do bem, tranquila demais, enquanto cidadã, sou contra a pena de morte, mas enquanto indivíduo, asseguro que se acontecesse algo assim na minha casa, eu seria capaz de ferir e matar. Porém, na minha função de educadora, já vi casos bem cabulosos. Difíceis demais de decidir. E a decisão coletiva nem sempre foi a de procurar ajuda. Acreditem. E essas não foram decisões das quais me orgulho. Porém, o bom senso, ou talvez a falta de senso, leva-nos a agir de uma maneira que nos acalme o coração naquele instante. E eu garanto para você que o desespero de um menor diante da possibilidade de se ver sem a sua família é algo bastante angustiante

Apresento-lhes alguns exemplos com os quais já me deparei. Lembrando que sou professora de adolescentes. Amém. Porque se fosse com crianças pequenas, eu nem teria estômago.

1) Aula normal. Professor fala de um assunto qualquer, aluna entra em crise de choro. A aula acaba, ele pergunta o que está acontecendo. A menina mora com a avó e o tio aproveita as tardes para assediá-la brutalmente. A menina chora porque não quer que a avó perca a sua guarda.

2) A escola é vigiada por policiais. A adolescente de 14/15 anos aparece grávida. O pai é o policial. Os pais são chamados para serem orientados a prestar queixas. Os pais acham ótimo que a filha tenha se envolvido com alguém que seja concursado.

3) A aluna menor de idade está se prostituindo, a mãe é chamada na escola. a mãe justifica o comportamento da adolescente dizendo que o "namorado" de cinquenta anos dá a jovem coisas que enquanto mãe ela não consegue oferecer: calça de marca, maquiagem e celular.

4) Garoto violentado por vários colegas no banheiro, está machucado e visivelmente abalado psicologicamente, mas ninguém pode falar nada, nem denunciar, porque ele já tem fama de afeminado e vai ser considerado homossexual.

É isso, pessoal. É o que temos de enfrentar. Nem todas essas histórias são minhas, nem aconteceram nas escolas em que trabalhei, algumas são partilhadas entre amigos. Uma tentativa de buscar a solução no outro. Na palavra do outro, no seu discernimento.
Isabel, 8 anos. O pai colocou ela em uma cadeira pra penetrá-la por trás. Ela também retrata o irmão mais novo que ficou vendo tudo acontecer pela porta.

A quem diga que isso não é abuso ou exploração. É sim. Não é porque são adolescentes que eles estão de acordo com isso. E mesmo que estejam, provavelmente, foram induzidos a acreditar que essa é a forma correta de se relacionar com o sexo. Mas, nessa idade, é mais fácil dizer que é safadeza. Que eles sabem muito bem o que querem. Só digo uma coisa: e se fosse o seu filho?

Em se tratando de idade, entretanto, é verdade, com relação a crianças pequenas, a coisa é pior ainda. Não somente porque são menores e incapazes de verbalizar, mas porque nem sequer sabem que o que está acontecendo com eles é ruim ou errado.

Do ponto de vista infantil, adultos fazem o bem. Alimentam, protegem, divertem, cuidam. E, por sua curta experiência de vida, é normal experimentar coisas novas. Então, quando o adulto de confiança o ensina "algo novo", um toque nas partes íntimas, um pedido de silêncio, a penetração, e diz que um dia a criança vai aprender a gostar, ela vai se forçar a acreditar nisso. Ela vai confiar. Mesmo quando algo dentro de si a alertar sobre um desconforto.

O comportamento infantil vai mudar com o assédio, pois, no fundo, a criança acha que é ela a errada. Sente-se nervosa e acuada, foge da convivência, pois acha que o assédio pode vir de qualquer um. Ou seja, ela perde sua relação de confiança com o mundo. Tem medo do agressor. E não sabe se pode dizer o que está acontecendo, nem para quem. É um horror.

Por isso, queridos, vigiar sempre. Conversar com a criança. Querer saber a origem dos mínimos detalhes da mudança de comportamento do seu filho. Se ele não vê ninguém batendo, por que bate? Se ele não gosta de alguém, qual o motivo? Se usa palavras que não são do seu vocabulário, quem ensinou? Atitudes assim devem ser do cotidiano de qualquer pai presente, mas se não é, deve ser, não só por uma questão de proximidade emocional, mas de segurança.

Os desenhos são da exposição espanhola de 2010: Monstros na minha casa. Mais sobre aqui.

E deixo vocês com um vídeo para ser passado para as crianças a fim de ensiná-las a se defender.

No caso de denúncias, disque 100. Disque Direitos Humanos.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Histórias da Turma

Certos amores são para sempre. E acho que a minha relação com esse livrinho aí vai ser assim...

Já falei sobre Histórias da Turma mais de uma vez aqui no blog. E de como ele marcou minha adolescência. Mas, engraçado, nunca tinha escrito especificamente sobre ele. Então, vamos lá.

Nesses dias de greve (sim, a educação do Ceará está em greve, escolas ocupadas, inclusive a que eu trabalho), tomei a decisão de estudar para mais uma fase acadêmica. Parti para comprar meus livros, primeiro passo para qualquer um que deseje estudar mais. E no meio das compras, eis que me deparo novamente com esse título. 

Já comprei esse livro algumas vezes. Ele sempre some. Desaparece como mágica. Usado, ele é bem baratinho. Na maioria das vezes, não chega a dez reais. Mas me dá uma raiva ter de comprar de novo e de novo. Por isso, toda vez que eu comprava um livro, ficava de levar e acabava não levando. Dessa vez, comprei. Não me arrependi. Sábado passado, tive uma manhã incrível reencontrando amigos de longa data.

O livro é uma coletânea de textos publicados inicialmente na Revista Capricho, trata-se de várias histórias sobre uma mesma turma que mora em um prédio. São jovens de várias idades, desde 14 até 21. Em cada conto, vamos encontrar um ou mais deles vivendo situações típicas da faixa etária. Violência, namoro, primeira vez, intolerância, divórcio. São alguns dos temas trazidos pelo livro.

Confesso que me surpreendi com essa leitura tardia da obra. Tive de discordar de Belchior, pois nós, aparentemente, não somos os mesmos nem vivemos como os nossos pais. Ou melhor, essa nova geração não é definitivamente como foi a nossa. Os textos escritos entre 86 e 89 para adolescentes estão claramente mostrando isso.

Certo que algumas coisas ainda são iguais, beijo na boca, ciúme e a brincadeira do copo. Porém, algumas coisas são tão diferentes que é como voltar no tempo. Primeiro, para um mundo sem celular e sem internet. Tempo em que a fofoca tinha de ser feita frente a frente. Tinha que ter rosto. E as pessoas se viam muito mais pessoalmente. Mas, para além disso, o divórcio que era motivo de vergonha no final dos anos oitenta, hoje me parece tão natural. Embora ainda seja traumática, a separação dos pais não é mais motivo de constrangimento para essa geração, tampouco a possibilidade de uma mulher se sustentar sozinha e reconstruir a vida. Amém!

Outra coisa que me chamou atenção positivamente foi o cigarro. Ainda hoje, é certo que muitos jovens fumam, mas isso não é mais valorizado ou sinal de rebeldia. No livro, os personagens mais impressionantes fumam, em toda festa há cerveja e cigarro, como se fosse normal usar esses produtos nessa faixa etária. Percebo que, principalmente com relação ao cigarro, os livros atuais, simplesmente o retiraram do ambiente. Não é mais necessário fumar para ser o bam-bam-bam. O que eu acho ótimo. E vejo em sala de aula que, comparado com a minha geração, os jovens hoje têm outra relação, bem menos amistosa com o tabagismo.

Em compensação, os livros de adolescente de hoje em dia têm uma tendência ao melodrama que cansa. É câncer, é AIDS, é depressão, é bipolaridade. E é um amor eterno que não combina com a idade. Ainda que o adolescente acredite que combina. Beijo na boca, entretanto, quase não tem. Aquelas cenas de tirar o fôlego. Aquelas que você se identifica na hora. De surpresa. De beijo inesperado. De beijo roubado. De se sentir nas nuvens... Histórias da Turma tem capítulos assim. E eu adoro. E é também o que gosto de escrever.

Enfim, é bastante diferente ler um livro que te marcou como adolescente já na fase adulta. É como se um eu do passado se encontrasse com o eu do presente. O confronto é inevitável. Mas é também interessante. Principalmente, porque parece que a gente já não lembra de tudo daquele tempo, de como a gente pensava, aí, parece que o livro guarda essas memórias para você. E revivê-las é muito divertido.

No meu caso, ainda fui presenteada com um poema para completar essa viagem no tempo. Comprei o livro usado e dentro dele veio uma ficha de leitura (sim, aquelas detestáveis fichas de leitura) e um poema da Ellen, da Juliana e da Sandra da sétima C de alguma escola do país, de algum ano. Provavelmente um trabalho pedido por uma desses professoras malas de português (como eu).

Vou passá-lo para vocês. Tomara que a Ellen, a Juliana e a Sandra não se aborreçam. 

História da Turma

Marta, divorciada, nada falava com ninguém
Cheia desta vida sem motivação
Com sua filha Bete abriu seu coração

Bete com sua nova paixão
Pedro, um metaleiro doidão

Carlos estudioso
Por Kátia se apaixonou
E um grande amor entre eles rolou

Newton por causa de faculdade
Quase seu amor largou
Mas Carol muito apaixonada, não deixou

Paulo tomou um tiro no coração
Por pura sorte escapou
E sua vida continuou

Rosane por um surfista gamou
Newton com ciúme reclamou
Mas depois tudo se ajeitou

Eliana não parava de comer
Essa gorda apaixonou-se por Benê

Débora foi para Salvador
E lá conquistou seu amor

Zé Paulo por Débora também se interessou
E com isso um grande amor começou

                       *****

Perfeito! 
Mais treze anos, impossível!

quarta-feira, 11 de maio de 2016

O livro sem figuras

A sugestão de leitura de hoje é um livro incrível, extremamente criativo e que chamou muito a atenção da mídia em 2015 quando foi lançado. Trata-se do maravilhoso O Livro Sem Figuras de BJ Novak.

Novak é ator, participou de Bastardos Inglórios e da série The Office, onde ele também  escreveu o roteiro e produziu. Nesse livro, ele inova com um material para ser lido (a criança lendo não tem tanta graça assim) que não tem figuras.

Na medida em que vamos crescendo enquanto leitores, as ilustrações vão diminuindo dos livros. em livros para a faixa de doze anos, por exemplo, no muito, tem uma imagem na abertura de cada capítulo. As imagens funcionam como muletas para a imaginação. Dando forma para algo que, às vezes, é difícil de pensar. Dessa maneira, o leitor, quanto mais experiente, menos precisa delas.

Concordo parcialmente com esse ponto de vista, pois as imagens têm um valor próprio. São tão texto quanto o texto escrito. E elas nos encantam também pela beleza e qualidade, não funcionando como muletas, mas adicionando significados. Vários gêneros literários, ainda que adultos, mantêm o vínculo com o imagético, caso dos quadrinhos e mangás.

No caso, entretanto, do livro de Novak, é uma relação de quebra de expectativa. Afinal, livros para serem lidos para crianças têm imagens. Isso, portanto, pressupões uma criança que não sabe ler ou uma criança recém alfabetizada. Nessa fase, as crianças já manuseiam os livros, conhecem algumas histórias de cabo a rabo, como é o caso dos contos de fada e são capazes de, com o livro na mão, recontar ou inventar uma história própria a partir das ilustrações. Ou seja, o livro ilustrado é um universo que elas dominam, ainda que não consigam propriamente decifrar o código escrito.

O Livro Sem Figuras não traz imagens o que por si só já é uma quebra de protocolo. Além disso, as fontes são esquisitas, espalhadas de forma diferente na página, com cores e tamanhos diferentes. Tudo novo. Quebra de expectativa total. E o humor é basicamente isso, uma quebra de expectativa.

Mas o principal elemento de diversão nessa história não é o livro em si, é o adulto que assume o papel de narrador. Logo no começo da narrativa, o narrador vai explicar o que qualquer adulto compreende muito bem, a relação entre o leitor e o ponto de vista da história. O leitor precisa se conectar com o narrador e seguir o que ele determinar, mesmo que sejam barulhos, situações inusitadas e palavras inventadas. Ou seja, o adulto, como narrador, vai se colocar numa posição ridícula e a criança vai perceber isso.

Então começa um festival de absurdo. Cada vez mais engraçados. E o adulto preso ao papel de narrador. Obrigado a ir até o fim. Claro que boa parte da graça está nas caras e bocas que o leitor precisa fazer. Uma interpretação. Como pessoa que vai ler para a criança, é necessário uma leitura prévia e um ensaio de que caras fazer. Quanto mais escandalosas, mais a criança vai rir. Por isso, pode se soltar e se divertir.

Esse livro, para mim, é incrível. A ideia de Novak foi brilhante. Ele brinca com uma noção importantíssima na literatura: o narrador é uma construção do texto. Nós nos habituamos a confiar cegamente no narrador, como se ele só dissesse verdades, bem, Novak está mostrando bem cedo às crianças que ele pode ser apenas um sacana e que acompanhá-lo mesmo assim pode ser divertidíssimo. Sem falar no óbvio, ensinar as crianças que o grande mérito do texto escrito está apenas na palavra. É a palavra quem tem o dom maior de encantar, com ou sem imagens. 

Certamente, é um ensaio positivo para obras mais densas.

Deixo aqui embaixo o vídeo da leitura feita por Maria Clara Gueiros e Lúcio Mauro Filho para a editora Intrínseca.


terça-feira, 10 de maio de 2016

Ecopoint

Domingo retrasado (01/05), depois de muita insistência, fomos ao Ecopoint

Para quem não sabe, trata-se de uma fazenda, do tamanho de um quarteirão aproximadamente, no meio de Fortaleza (Na verdade, é na área urbana, mas em um lado periférico da cidade. De onde a gente mora, é uma verdadeira viagem chegar lá.). Nessa fazenda, estão alguns animais em período de readaptação à natureza e outros que não serão mais capazes de voltar e precisam de cuidados, além de animais domesticados como cavalos, patos, coelhos, vacas e cabritos.

O local é um misto de zoológico, fazendinha, espaço de show e área de brincadeira. Tem piscina infantil, arvorismo, parquinho na areia, área para piquenique, restaurante. Além dos animais, que tanto estão em jaulas como, em alguns casos, circulam  livremente, como os patos, cotias e pavões. Tudo bem cuidado, com preço acessível e bom atendimento.

Dos lugares pagos, foi o que achei mais interessante para crianças bem pequenas. Por ser pequeno e não oferecer opções radicais, a estrutura não atrai crianças para muito além dos sete anos, isso favorece a convivência, pois o público é basicamente um bando de pais com filhos pequenos. Além disso, não se espera quase nada em filas, pois sabemos que crianças pequenas mudam de interesse rapidamente. E com tanta coisa para ver, isso não é nem de longe um problema.

Há quem não goste de zoológicos, eu entendo a questão. Eu, porém, sou fascinada por eles. Sei que os bichinhos não merecem ser presos. Entretanto, a maldade no mundo existe. Assim como a ciência. Então, lugares que oferecem refúgio para animais que foram encontrados em péssimas condições, assim como ambientes de estudo para a compreensão do comportamento animal, a meu ver, ainda são necessários. O Ecopoint, pelo que entendi, funciona das duas formas. É possível, por exemplo, marcar visitas escolares durante a semana, com objetivos de aprender sobre os hábitos dos animais e sobre o desenvolvimento das plantas na horta.Excelente opção de visita escolar.

Como nosso objetivo era o lazer, a dinâmica foi diferente. A intenção era chegar por voltas das dez, hora que o parque abre, e sair por volta das quatro ( o parque fecha às cinco) com uma criança exausta e pronta para ir para a cama cedo. Não foi exatamente o que conseguimos.

Para começar, fomos escolher o feriado em que tudo para. Primeiro de maio. Já ficamos na dúvida se ia funcionar. Funcionava. Entretanto, descobrimos que o espaço não tem estacionamento próprio. Usa-se, em geral, o estacionamento do shopping que fica em frente (Shopping Jóquei). Que estava fechado.

Colocamos o carro na rua, com o coração na mão, e entramos. Fila na entrada. Gente enrolada. O público do Ecopoint, por ser uma opção de lazer acessível, às vezes, deixa um pouco a desejar no quesito comportamento, muito barulho, muita sujeira e poucas noções de cidadania, como respeito ao espaço do outro e organização. Enfim, aquele monte de menino correndo, gritando e fazendo o que quer, filho típico de pai que acha natural as crianças se comportarem assim até em público. Mas nada que realmente ofenda. São crianças pequenas no final das contas.

Ao entrar, começamos a achar estranho o comportamento da pequena. Em geral, ela adora bichos, mas estava arredia e com medo, não queria sair do colo. Achávamos que era por causa dos pavões que andavam livremente, ou por causa da multidão (nem era tanta gente assim, mas Bia não está familiarizada com aglomerações). Com muito custo, conseguimos visitar alguns bichos. Ela se encantou pelas onças pintadas e depois alimentou as cabritas. Mas estava com medo até de patos e coelhos. Não queria descer do colo de jeito nenhum.

Bia está numa fase de medos infantis. E essa condição sempre nos divide enquanto pais. Eu tento passar confiança e convencê-la a enfrentar o medo. Meu marido prefere confortá-la e passar a ideia de que sentir medo é natural e que estaremos ali para protegê-la. São duas visões válidas, mas que geram comportamentos antagônicos. O que talvez a deixe confusa. E que talvez nos leve a procurar a ajuda de um profissional. Assunto para depois.

Bia foi com o pai para a piscina infantil (isso mesmo, se a criança for pequena, leve roupa de banho porque alguém vai ter de entrar para acompanhar) e se divertiu bastante. Entretanto, quando saiu da água, estava mole e não quis comer. Esse foi o primeiro alerta que não estava bem. Dei um banho nela. Tem chuveiro nos banheiros. E meu marido fez um prato no self-service. Comida caseira, meio regional, preço razoável para um lugar como esse. Ela não quis. Estava com muito sono. Também não quis o leite. Apenas ficou no meu colo, molinha, molinha. Acabou dormindo.

Coloquei uma toalha no chão, na área do piquenique e ela dormiu. Batia um ventinho gostoso, mas Bia estava com frio. Nós dois almoçamos durante o cochilo, ainda achávamos que fosse sono. Afinal, ela tinha acordado cedo.

13:30h da tarde começam os shows com personagens. Homem-aranha, Galinha Pintadinha, Olaf de Frozen. As crianças adoram. O problema é que o espaço é parcialmente no sol e os pais perdem as estribeiras na tentativa de bater fotos. Além disso, o som que anuncia os personagens é muito alto. Acabamos tirando a Bia de lá. eEla ainda não é mesmo muito fã de personagens, quis ver somente os Minions.

Como ela continuava molinha e sem fome, voltamos para  casa pouco antes das três. Não deu outra, chegamos em casa, ela estava com febre, mais de trinta e oito. Assim que chegamos a diarreia começou. Seis vezes no intervalo de duas horas. Um sufoco que durou até quarta-feira.

Não quero dizer aqui que a pequena ficou doente por causa do parque. Não entendam isso. Gostaria apenas de deixar claro que adorei a experiência, infelizmente, ela não foi completa porque minha filha estava se sentindo mal. Qualquer dia, voltamos.

Para você que não conhece, no mês de maio, tem promoção. R$10,00 a entrada.

Ecopoint
Telefone: (85) 98735-3934
Av. Senador Fernandes Távora, 387 - Jóquei Clube, Fortaleza - CE, 60510-290

segunda-feira, 9 de maio de 2016

RuPaul's Drag Race

Oi, gente,
a semana passada foi complicada. Bia com quadro viral. Primeira vez com disenteria. Febre alta. Muita preocupação com a absorção de líquidos. Acabei não escrevendo.

Não posso mentir, entretanto, que o único motivo da falta de posts da semana passada tenha sido minha filha doente. Seria injusto com ela. Acontece que o glamour drag finalmente me alcançou. RuPaul's Drag Race. Eu simplesmente não conseguia mais parar de assistir.

Minha irmã já tinha me alertado sobre o programa e eu ainda não tinha dado uma chance. Veja bem, sempre fico receosa com relação às indicações da minha irmã. Ela já me indicou Crepúsculo (imperdoável). E vive me sugerindo uma longa lista de livros e filmes tristes que doem. Tipo garota de doze anos estuprada pelo vizinho que fala do além sobre como seus familiares reagiram a morte dela. Minha irmã diz que é lindo, eu penso que vou me acabar com um negócio desses. O drama simplesmente não me faz bem.

Outra coisa que não me cai bem são as séries. Detesto ficar viciada. Detesto mesmo. Aquela sensação de esperar desesperadamente pelo próximo episódio me angustia ao ponto de me fazer detestar o processo inteiro. Por outro lado, aquele amontoado de episódios a serem vistos no Netflix simplesmente me dá uma preguiça danada. Em resumo, em se tratando do universo da imagem, sou de filmes. E olhe lá!
Mas Drag Race me ganhou no primeiro Lip Sync For Your Life (dublar pela sua vida). Não resisti. Passei tardes vendo episódio após episódio, apegada a várias daquelas drags, rindo até não poder mais da gírias, incapaz de fazer qualquer outra coisa. Dependente. E agora, depois de terminadas as cinco temporadas que estão no Netflix, enquanto procuro os episódios das duas temporadas que não vi, consigo falar a respeito.

Para você que não conhece o programa, trata-se de um reality show em que Drags tentam ser a melhor Drag Queen da América. Para tanto, toda semana surgem novas provas em que seus talentos de artista são testados. Provas de imitação, de costura, de comédia, de improvisação, tudo isso com uma dose extra de moda, glamour e maquiagem em grau avançado. Além de muita fofoca e bafão (imagina colocar treze drag escândalo trancadas no confinamento? Jogos Vorazes da peruca, minha filha). No fim de cada semana, durante o desfile de um look, uma drag é eleita a vencedora do desafio e outras duas têm de dublar por sua vida. Dublar por sua vida, gente. Tem que ver. Então, depois da performance, RuPaul decide quem fica e quem vai. Sashay Away.

RuPaul, o apresentador do programa, é um ícone da cultura pop. Um cara que elevou a profissão de Drag Queen a outros patamares no meio artístico por ser um excelente performista tanto vestido de homem quanto de mulher. Ele tem o respeito dos participantes e recebe deles a alcunha de mãe. Através do programa, podemos tomar conhecimento de todo um universo e cultura drag que não aparece nas apresentações. Ou seja, o que leva uma pessoa a se montar e como um homem aprende tanta coisa sobre o universo feminino. Pois, vamos combinar, eles se maquiam, vestem-se e arrumam os cabelos bem melhor do que muitas de nós. 
RuPaul e o pessoal do Nirvana na década de noventa

Percebe-se, portanto, a pessoa por detrás da drag. Tantas histórias de abandono, agressão, sofrimento, solidão. Tentativas de encontrar um lugar numa sociedade que odeia tanto. De buscar a aceitação de si mesmo e da compreensão da família. Histórias que chocam e entristecem por serem tão comuns. Por serem a regra. Fico impressionada como essas pessoas encontraram forças para enfrentar tantos olhares de julgamento.

Entendi também muita coisa vendo o programa. Entendi, por exemplo, que para ser drag, não necessariamente se precisa ser gay, muitas são, mas não é regra. Drag Queen é uma profissão, um tipo de performance, de arte. Uma caricatura do feminino, mas sem os pudores que são impostos a esse sexo. Uma drag pode ser tudo. Entendi que existe uma união por detrás da disputa. Uma solicitude que vem do sofrimento. As mais velhas ajudam as mais novas. Ensinam. Acolhem. É uma arte passada através de mentor, ou seja, alguém que um dia foi acolhido, um dia vai acolher uma novata. São as mães drag. Reflexo desse abandono tão comum para com aqueles que se mostram diferentes.

Aprendi também que existem vários tipos de drag, as muito bonitas cujo o esforço é mostrar uma figura feminina a mais perfeita possível, as drags dançarinas, as drags engraçadas, as drags animadoras, as drags cantoras, as drags costureiras, as drags maquiadoras. Tem talentos em todas as áreas. Entendi também que Drag é diferente de travesti, diferente de transsexual, diferente de mulher. E lidar com os pontos que se assemelham e se diferenciam nessas categorias é uma tentativa de aprender. Já a ignorância, por sua vez, é a principal fonte do preconceito. Quando buscamos saber do que se trata, quando buscamos entender, estamos a um passo de aceitar. Chegamos bem perto do respeito. E respeito é a pedra fundamental de qualquer relação humana.


Talvez, para as pessoas que sofrem com esse tipo de preconceito (e eu gosto de deixar bem claro que minha empatia só vai até certo ponto, uma vez que não sei mesmo o que é estar na pele delas), o programa seja uma forma ofensiva de tratar a condição do homossexual por reforçar esteriótipos. Não sei. Eu, entretanto, acredito que fica quase impossível não se conectar com essas histórias tão humanas, com tanto talento absurdo, com tanta perseverança, com tanta vontade de viver e ser feliz, com tanto companheirismo. Acho, inclusive, que nós mulheres temos muito a aprender com as drag, pois, enquanto o sofrimento as une, a nós, separa.

Quando se fala de sonhos e de tentar ser você mesmo, as imposições sociais vão bem além da questão da orientação sexual. Sem querer diminuir o sofrimento do processo, pelo contrário, para valorizar a mensagem de que: se é isso que você é, mostre para o mundo, acho que o programa gera uma identificação com qualquer um que passe por uma situação assim, alguém que escolhe mostrar um talento que seja diferente. Seja gay ou hétero, homem ou mulher, trans ou cis.

E acho que, além de divertido, RuPaul's Drag Race é uma lição de respeito à vida dos outros. E vale demais ser assistido.