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sábado, 30 de julho de 2016

Do Seu Lado - Capítulo 3

Oi, gente,
hoje estou comunicando a postagem do terceiro capítulo de Do Seu Lado no Youtube. Para quem não sabe, resolvi publicar meu primeiro livro no youtube. Está em formato de slides. Estou publicando os capítulo às quartas e aos sábados. Deem uma passadinha por lá.

Olhaí:

Nesse capítulo, a vida de Malu começa realmente a mudar. Pois o filho do seu padrasto, um rapaz chamado Antonio, vem passar as férias de final de ano com eles. Antonio é incrível. De tão divertido, vai ganhar a amizade de Malu e despertar o interesse de suas colegas de escola. E talvez esse interesse dê início às mudanças que a moça tanto espera que aconteçam...

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Cachorros Não Dançam Balé

Bia finalmente está entrando no clima das historinhas. Ela já consegue acompanhar um enredo com começo, meio e fim. Por isso, está na hora de dar o gás na leitura dessa biblioteca infantil que venho construindo desde que descobri que estava grávida.

Essa semana, experimentamos o delicioso Cachorros Não Dançam Balé, de Anna Kemp. Com ilustrações de Sara Olgivie. Editora Paz e Terra. Lembro-me que comprei esse livro em uma das minhas buscas em livrarias. Geralmente, compro os meus livros pela internet, o preço é bem mais em conta, mas, em se tratando de infantis, adoro lê-los e folhear. Sempre acabo comprando alguma coisa ou pelo preço ou pelo encantamento. Foi o caso de Cachorros Não Dançam Balé. As ilustrações são muito fofas e a história inusitada traz uma mensagem importante.

O livro é a história de um cachorro chamado Filé (se você acompanha o blog, já percebeu que a utilização de animais é comum nos livros infantis. O animal diminui o impacto das emoções mais fortes). Filé é o bichinho de estimação de uma esperta menininha. Ela logo percebe que seu cachorro é diferente dos outros, ele não gosta de apanhar a bola, mas fica fascinado por pessoas dançando na televisão. 

A menininha aceita de cara a paixão do cachorrinho pelo balé e até a vontade que ele sente de usar tutu. Já o pai da garota não aceita que o bichinho a acompanhe nas aulas de dança, nem aceita que cachorros queiram dançar balé. Filé faz todas essas coisas escondido. Sem se importar muito com o que os outros vão dizer. E como tem censura nesse livro. As pessoas na parada de ônibus, a família, a ´professora de balé, ninguém aceita que um cachorro queira dançar balé.

Minha filha, que anda muito empática com os personagens, pedia para acabar com a leitura todas as vezes que alguém desacreditava o cachorrinho. Tanto orgulho dela que já percebe o que é certo e errado. Precisei dizer para ela que no final ia ficar tudo bem. E fica mesmo. Filé se apresenta num grande balé e as pessoas estranham no começo, mas ele é tão talentoso que o livro acaba com muitos aplausos.

Achei o livro ótimo. É sobre vencer desafios e sobre aceitar diferenças. Não podemos deixar de perceber que, facilmente, poderíamos trocar o cachorro Filé por um menininho. Um menino diferente. Que não somente gosta de dançar. O que por si só já seria audacioso, mas um menino que faz questão de usar tutu. Um menino diferente de outros meninos. Entendeu do que o livro trata?

Note que a menininha aceitou facilmente os gostos do cachorrinho e quem foi o primeiro que implicou? O pai. A figura masculina. Além disso, a autora faz questão de mostrar que o cachorrinho não gosta apenas da dança. Gosta de balé. O estilo mais associado ao feminino. E gosta de usar tutu. Não é preciso usar tutu para dançar, não é mesmo?

É um tema forte. Disfarçado por personificações e ilustrações fofinhas. Claro que é uma metáfora para todo os tipos de diferenças. Mas talvez seja uma excelente porta para abrir o diálogo entre um pai que não aceita que cachorros dancem balé e um filho que não gosta de fazer as mesmas coisas dos outros menininhos.


quarta-feira, 27 de julho de 2016

Do Seu Lado - Capítulo 2


Oi, gente,
hoje estou deixando no meu canal mais um capítulo do meu primeiro livro. Ainda estou caminhando nesse negócio de vídeo e de canal. Se tiver um tempinho, vai lá, lê, se inscreve, compartilha. Aquele negócio todo de youtuber...

Esse é um capítulo que mostra mais a personagem principal através da sua convivência familiar. Nos meus livros, pais e filhos compartilham características. E vocês vão perceber, com a passagem dos capítulos, como a personalidade de Malu vai sendo moldada a partir dos seus pais: Helena e Fernando.

Mil beijos e espero que gostem...

terça-feira, 26 de julho de 2016

Hipocrisia, eu quero uma para viver...

Hoje vou escrever um post em um molde que não gosto muito, principalmente porque não verifiquei as fontes (não por falta de tentativa), mas é incrível como num mundo com tantas informações, algumas coisas, aquelas que "não interessam ser mostradas", simplesmente somem. Neste sábado, na minha timeline, apareceu um depoimento de um jovem, depoimento provavelmente curtido por algum dos meus alunos. Eu estava meio ocupada, meio fazendo mil tarefas ao mesmo tempo no computador e não reparei direito no post, li por cima.

Tratava-se de um relato de violência. O jovem relatava ter sido agredido, por estar beijando seu parceiro, em plena Praça da Gentilândia no Benfica. Para quem é de fora, que fique claro, que o bairro (e essa praça em específico) é um conhecido reduto LGBTS. Assim como a Pracinha em frente ao shopping Aldeota era um conhecido reduto de pessoas que gostam de animes e cultura geek. Assim como o Condomínio Uirapuru é conhecido por promover eventos religiosos. E, na minha cabeça, se você não gosta do que acontece nesses lugares, simplesmente não vá. Porém...

Mas o melhor (se é que dá para usar essa palavra nesse contexto) está por vir. Os agressores. Nada mais nada menos que vendedores de drogas. Isso mesmo. Os traficantes locais bateram no casal. Diz-se, aliás, que isso está virando prática comum do lugar. Não é lindo? Traficantes preocupados com a moral e os bons costumes? Provavelmente, tementes a Deus. 

Antes que as cabeças toscas comecem a raciocinar, vamos esclarecer alguns fatores. Você, preconceituoso de carteirinha, vai dizer: mas a culpa é dos viados que usam drogas. Perdidos. Merecem mesmo. E blá, blá, blá... Vomitando imbecilidades sem fim. Gays e héteros usam drogas. Aliás, para e pensa, que tipo de atendimento ao cliente é esse por parte do tráfico: eu vendo para você e eu te bato. Não acho que seja um marketing eficiente. Acho que é melhor o pague um leve dois ou até o chiclete com a figurinha, mas vou deixar você tentar encontrar desculpas para isso...

Na minha cabeça, o que une droga e homossexualismo é uma coisa só: a lixeira social. O lugar onde jogamos tudo aquilo que o "cidadão de bem" não quer ver. Pois, cerceados de sua liberdade de ir e vir, os homossexuais precisam de espaços que os aceitem. Infelizmente, hoje em dia, esses lugares são guetos escuros, na calada da noite, escondidos por n subterfúgios, lugares onde nem a polícia faz questão de chegar. E a droga, como tudo mais que não presta, também circula por lugares assim.

Falta um pouco de raciocínio dedutivo aí, gente, estamos misturando causas e efeitos. Gay não é igual a droga. Gay não é igual a promiscuidade. Embora existam gays que usem drogas e existam gays promíscuos. Mas, na verdade, o que é que eu tenho a ver com isso? Nada. A questão desse post, por sinal, passa mais por essa inversão de valores. É o traficante ensinando moral. É a violência reprimindo o amor. E tudo isso regado por um egoísmo imenso. Afinal, jogamos essas pessoas nos guetos. E até nos guetos, eles apanham. Até nos guetos eles morrem. E parece que isso é o certo a se fazer pelo bem comum.

Mesmo que o relato não seja verdade. Os números da violência contra a comunidade LBTS são alarmantes. E a sociedade tem lutas muito mais importantes a vencer do que ir contra os direitos básicos dos homossexuais e outras definições. Direitos que qualquer cidadão tem. Enquanto houver houver lacicismo, pelo menos. E Deus permita que isso continue a existir, porque da última vez que religião e justiça se misturaram foram mil anos de trevas e escuridão. 

A luta contra o consumo de drogas. A legalização. A conscientização da juventude. O acesso aos centros de apoio. A violência gerada por esse câncer social que é a droga. Tudo isso é tão mais relevante do que dois rapazes se beijando em uma praça. E, ainda assim, essas bandeiras de ódio explícito continuam a ser erguidas e heróis fascistas surgem com cada vez mais força, amparados apenas pela raiva e pelo egoísmo.

A idiotia é o mal do século, sem sombra de dúvida. Enquanto escrevo, penso naqueles que colocarão o homossexualismo e o vício no mesmo patamar. Acusando-me de hipócrita. Afinal, "duvido que ela queira que a filha veja dois homens se beijando". Em primeiro lugar, não me incomodo um milímetro com dois homens se beijando na frente da minha filha, contanto que se mantenha o decoro, isso vale para casais de qualquer natureza, inclusive para héteros como eu e o pai dela e cachorros grudados no meio da rua. E, ainda assim, caso ela veja algo "inapropriado para a idade", tudo é oportunidade para diálogo e conversa. 

Em segundo lugar, de certa forma, o pensamento preconceituoso tem alguma lógica, pois existe mesmo uma relação entre vício e homossexualismo. Tanto o viciado como o gay não tem saúde. Saúde, se tomamos por base a OMS (organização sanitária vinculada à Organização das Nações Unidas), seria  “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de enfermidade ou invalidez”. Por esse ponto de vista, viciados e homossexuais estão no mesmo barco, pois dependem do poder público para alcançar essa saúde de bem-estar físico, mental e social. E, definitivamente, nenhum desses dois grupos e suas interseções merecem a lixeira social em prol de um "cidadão de bem", categoria, aliás, que eu nem acredito que exista de fato.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Micaretinha do Shopping RioMar

Ontem, por coincidência, a pequena acordou mais cedo do soninho da tarde. Provavelmente por conta da quebra do nosso ar-condicionado. Aqui em casa, estamos todos morrendo de saudades dele. Quase entendo a raiva que a nossa classe média alta tem de pobre em avião, afinal, luxo é uma droga mesmo, depois que você se acostuma com ele...

Enfim, a gama de possibilidades para o domingo à tarde se abriu, pois, em geral, não conseguimos fazer programas antes das cinco pela logística do cochilo da tarde da Bia. Como em todos os finais de semana, olhei a programação infantil no grupo do Facebook - Programação Infantil de Fortaleza (peça para se inscrever aqui). E vi a proposta da Micaretinha do Shopping RioMar.

Esse evento, pelo que entendi, tinha relação com o Fortal (carnaval fora de hora que já comemora 25 anos na cidade). Acho que a ideia era incluir as crianças e os pais foliões nesse clima de carnaval fora de época, férias e celebração da alegria.

Bom, nós estamos sempre dispostos a topar coisas novas, embora eu e meu marido sejamos bem pouco chegados a axé, mas, como era uma coisa infantil, resolvemos experimentar.

O evento estava fofo. Trio elétrico em som possível de conviver. O local foi o estacionamento do shopping que fica na parte da sombra. Tinha pouca gente e havia segurança e barraquinhas para suprir a s necessidades básicas como líquidos e comidinhas. a brisa estava batendo e o ambiente estava gostoso. Certamente, o shopping teve uma bela iniciativa.

Infelizmente, entretanto, apesar da seleção de axés ter sido escolhida para as crianças, ou seja, o que ouvi era axé das antigas (tipo: "vou dar a volta no mundo, eu vou, vou ver o mundo girar" e "Alô paixão, alô doçura"), nada de duplo sentido, o que definitivamente exige esforço da escolha da playlist, ainda assim, era axé. E só axé. 
Eu esperava uma musiquinha infantil, mas também não fiquei tempo suficiente no evento para saber se rolou ou não. Até deve ter rolado em algum momento. O caso é que a minha pequena não curtiu muito. Tampouco o pai dela. E eu, que geralmente sou a que insiste para tentarmos um pouco mais a atividade nova, também não ia ficar lutando para ouvir axé.

Preferimos o tradicional passeio no shopping. Taí a nossa foto fingindo que estamos adorando o programa e que curtimos todas as músicas. Mas a verdade é que a gente demorou mais para chegar no local, já que o estacionamento em que deixamos nosso carro era do outro lado do shopping do que ouvindo o trio elétrico. Nada contra, viu, gente. Só não é mesmo o nosso estilo.

Falando nisso, teve um tempo na minha vida que eu fui no Fortal. Nem gostava muito. Achava sempre puro a xixi. Depois, passei a detestar o Fortal. Porque eu não ia, mas minha vida era cerceada pela mobilidade urbana da área em que eu morava, perto da Avenida Beira-mar, onde o evento acontecia. Hoje, que o Fortal se mudou para a Cidade Fortal, eu quase que o adoro. Nas mesmas proporções que gosto do Halleluya. Deus conserve esses dois eventos. E, para completar, nesse fim de semana, ainda teve o Encontro de Mulheres Pague Menos. Resultado: cidade vazia, lugar para estacionar, serviço bom. Afinal, Fortaleza inteira estava nesses eventos. E foi ótimo não estar em nenhum deles. Adoro a cidade assim, cada um na sua, fazendo o que quer, sem falar mal das escolhas e das opções de lazer dos outros.

sábado, 23 de julho de 2016

Projeto Novo

Tem coisas na vida que é preciso ter coragem para fazer. Começar um livro, por exemplo. Mostrá-lo para alguém. Deixar que alguém veja o que você escreveu. Que compartilhe das suas ideias. Ou pior, que discorde delas. Quem lê acha que, de maneira inocente, estamos em todas as palavras, em todas as atitudes dos personagens. Particularmente, não concordo. Acho que escrever é também um exercício de empatia, uma forma de se enxergar pelos olhos de outros. Mas isso não vem ao caso hoje.

Estou escrevendo para falar dessa sensação de covardia quando estamos diante de algo novo. Quando nos propomos a tentar. Enfim, quando colocamos a cara a tapa. A primeira coisa que vem à mente é o medo do vazio e da solidão. Enquanto escrevo no meu quarto, não vejo os rostos de ninguém. E penso nas palavras jogadas no universo, como se não houvesse resposta. Como se eu falasse sozinha. Todos os dias, eu crio coragem para compartilhar meus links no facebook, sempre pensando se estou incomodando alguém com essa propaganda de mim mesma. Daí eu penso que é difícil que eu incomode mais do que as notícias nacionais e clico em "compartilhar".

Ainda espero os comentários no post. Ainda espero ansiosamente pelas pessoas que se inscrevem no blog. É um exercício muito bom de paciência para o ego. Tenho que me conformar que sou apenas um grãozinho de areia nessa imensa praia chamada internet. O sucesso não chega fácil. O sucesso não é para qualquer um. Atinjo poucas pessoas. E a consciência disso me faz pensar em desistir às vezes. Por outro lado, quando comecei, o blog tinha tão poucas visualizações diárias. Não passava de dez, na verdade. Quase todas minhas. E hoje, todo dia as visitas giram em torno de sessenta (bem mais que isso de vez em quando). Sessenta pessoas que gastam o seu precioso tempo para saber o que eu estou dizendo. Quase duas salas de aula. Para ler. Coisa que não é comum.

Sei que muitos são meus alunos. E que gostam de ver uma outra faceta da minha vida exposta. Afinal, aceitar uma licenciatura é o mesmo que assinar um contrato para participar de um Big Brother eterno, em que só a morte é capaz de te eliminar. Aluno adora e sempre vai adorar saber da vida de professor. Como se a gente tivesse um tipo diferente de vida. Nem vou entrar nesse mérito...

Acontece que, nesse processo, venho arrebatando gente amiga. Que me lê. Que me entente. E que, de alguma forma, se identifica com o que escrevo. E isso é um incentivo grande. Ainda que as proporções sejam pequenas.

Escolher se expor, em qualquer situação, é uma escolha difícil. Do outro lado da tela, é possível julgar sem identificação. É possível zombar e não sofrer maiores consequências (na maioria das vezes). Então, alguma coisa muito forte tem que motivar essa escolha de se colocar diante do mundo. No meu caso, é o desejo de partilhar meu trabalho e de ser reconhecida por isso um dia. Quero tanto que mais gente leia meus livros, que eu arrisco. Morrendo de medo. E morrendo de vergonha. Que fique claro.

E é assim com esse novo projeto. Depois de mais um desprezo, resolvi tentar algo diferente. Vou colocar meu primeiro livro no youtube. Em forma de slides. Um capítulo por semana.

Está tosco. Não sou boa de edições. Não sei mexer em programas de vídeo adequadamente. E meu gosto é duvidoso na questão da imagem. Mas estou fazendo o possível.

Além disso, o trabalho é enorme. As ferramentas são complexas. Existem inúmeras questões que envolvem direitos autorais. E transformar uma obra de uma plataforma para outra é sem sombra de dúvidas um trabalho complicadíssimo. Mas eu vou tentar.

Gostaria muito que vocês vissem. Que me dissessem o que acham da ideia. E que me acompanhassem nessa nova empreitada. Então, lá vai. Porque nenhum caminho, por mais longo que seja, começa sem um primeiro passo...


sexta-feira, 22 de julho de 2016

RELICÁRIO


Ele tentava manter o foco, enquanto ela fazia as perguntas. Eram perguntas interessantes sobre empoderamento feminino, o esporte como ferramenta de desenvolvimento social, preconceito. Joaquim estava impressionado com a forma elegante e natural com a qual Taís abraçara o jornalismo. Seu pensamento de profissional estava ali, com ela, interessado em tudo que dizia. Já seu coração de menino...
Esse batia acelerado. Fugindo desesperado numa correria louca. Tentando escapar do que aqueles olhos azuis, aqueles cílios longos, aquela boca perfeita faziam com ele. Joaquim segurava o cabelo para que a mão não fugisse ao controle. E sorria. Até porque não conseguiria fazer outra coisa. Taís estava na sua frente. A pessoa que não lhe saiu da mente por nem um dia sequer. A mulher que ele via refletida na lua.
Não conseguia conter o desespero que a esperança lhe causava. Taís o procurara. Ela buscara a sua presença. Talvez sua chance de ser o alvo chegara. Esse pensamento lhe dava tremores e fazia seu coração disparar. Estava sem ar. Sentia calafrios. E ela perguntava sobre trabalho, sobre cinema, sobre futebol e carreira. Os olhos de caçadora sempre dentro dos dele.
Estava tímido. Incapaz. Respondia quase que mecanicamente. Perguntas tantas vezes feitas. Não era difícil buscar na memória a resposta padrão. Joaquim era a presa. Sempre fora. Estava acuado pela presença dela.
Taís aproveitara cada segundo do tempo. Profissional ao extremo. Sorrindo. Perguntando. E, ao mesmo tempo, reagindo aos sinais que o corpo dele dava. Jota sabia que não eram sinais bons. Ele estava com medo. E ela farejava o medo em cada hesitação. Quando alguém da produção gritou “two minutes”, quis morrer. Era pouco tempo para convencê-la a ficar.
Taís sorriu mais uma vez. Ela parecia tranquila, prática e inabalável como sempre. A deusa Ártemis dos seus inúmeros desenhos. A personagem que marcou a sua vida. Ela respirou fundo e fez sua última pergunta:
─ Joaquim, sou uma grande fã dos seus quadrinhos e essa é mais uma pergunta pessoal do que jornalística... – De repente, era essa a pergunta que mais o interessava responder. Ele sentou de forma mais atenta na cadeira. – Seus quadrinhos notadamente colocam as mulheres em primeiro plano e pouco tratam de relacionamentos amorosos. Eu acho isso incrível.
─ Acha? – Ele sorriu. – Nem todos os fãs pensam da mesma forma. Se quer mesmo saber...
─ Mas, por outro lado, sempre imaginei que existisse algo mais entre Levi e Diana. E, no entanto, depois que ela sai do ensino médio, eles simplesmente não se encontram mais. É só isso? – Ele se divertiu com a expressão do rosto dela. Era uma pergunta de fã. Estava orgulhoso de tê-la como admiradora. – Eles são perfeitos um para o outro e não percebem. Nunca vai acontecer? Ou será que o próximo longa será sobre um reencontro? Você pode me adiantar esse detalhe? – Colocou as mãos juntas como se estivesse em oração. – Por favor...
─ Eu adoraria te falar como essa história termina, Tati. – Criou coragem para tomar uma das suas mãos e entrelaçar seus dedos nos dela. Apertou forte. Naquele aperto, queria passar um milhão de sensações. – Mas nem eu sei essa resposta. – Encarou aqueles olhos azuis com coragem. Desejando que eles se perdessem na escuridão dos seus. Que entendessem o que estava bem ali, estampado em cada contração dos seus músculos. – Estou esperando que esses dois me digam o que vai acontecer faz bastante tempo. E a verdade é que está tudo nas mãos dela, porque ele é idiota e covarde demais para tentar...
Taís soltou a mão dele e se afastou. Algo no seu olhar de admiração quebrou. Não era mais a jornalista. Não era mais a fã. Era ela mesma. Um vislumbre da adolescente determinada faiscou pelo seu semblante. Jota teve medo de que ela saísse sem sequer se despedir. Ainda sabia reconhecer que estava zangada.
─ Levi inventa mil desculpas para não se declarar para Diana. Deve estar dando aula em uma universidade, olhando para lua e pensando nela. Jamais vai esquecê-la. – Continuou a falar. A coragem vinha de um lugar que ele mesmo não sabia de onde. – A verdade é que não se sente capaz de merecer alguém como ela. Nunca achou.
Ele esperava tudo, menos que ela se levantasse friamente, agradecesse a entrevista com um aperto de mão formal e mais nada. Tomou a direção da porta indicada pela produção. Taís nem olhou para trás. A ponta do salto dela marcava as pontadas de dor no coração de Joaquim. Ela desprezara a caça.
Jota se levantou. Não podia deixar que ela fosse. Que saísse de sua vida. Não novamente. Aí alguém lhe perguntou se queria alguma coisa. Se precisava parar e fazer um lanche. Despertou para a realidade. Tornou a sentar. Colocou a cabeça entre as mãos. Tonto. Covarde. Nunca fora um garoto covarde.
Mas agora deixava que ela fosse embora, porque não tinha coragem para ouvir mais um não. Não tinha mais estômago para que ela destruísse suas esperanças. Ia viver para sempre preso nessa ilusão de que um dia o quisesse. Estava inerte na sua frente. A presa perfeita. E a deusa o desprezara. Mais uma vez.
Os minutos foram passando e Joaquim se deu conta de que não conseguiria continuar o que estava fazendo. Não podia mais ficar sequer um segundo ali. Não tinha condições de responder nada. Pelo contrário, precisava era ouvir respostas. Nem deu muitas explicações, pegou sua carteira e desceu pelas escadas.
Ligou para Lorena como se a amiga pudesse resolver tudo em um passe de mágica. Como se ela tivesse todas as respostas. Ou, pelo menos, o número certo do telefone que ele precisava. Caminhava pelas ruas sem rumo. A cidade não era a mesma de tantos anos antes. Estava, sem sombra de dúvidas, perdido.
─ “A morte é para os que morrem”, Joaquim. – A voz dela o chamou de volta à realidade e ele se despediu da amiga imediatamente.
Taís estava em pé, do lado de uma barraquinha de cachorro-quente, com um sanduíche na mão. Tirara a camisa do uniforme e usava uma blusa num tom forte de rosa com as costas completamente nuas. Era tão linda e, ao mesmo tempo, uma imagem tão insólita com aquele cachorro–quente nas mãos, que arrancava olhares de admiração de quem passava na calçada e a percebia.
─ Não sou uma deusa. – Brigou com ele. – Nunca serei. – Deu uma mordida no sanduíche fazendo a mostarda espirrar no seu rosto. – Sou uma mulher normal e cheia de defeitos. Aprendi a lidar com isso a duras penas. – Explicou sem se incomodar de limpar o que estava sujo. – E não vou abrir mão de uma conquista dessas nem por sua causa...
─ Nem por minha causa? – Estava tão feliz que podia ficar ali o dia inteiro. Para ele, Taís e o cachorro-quente eram mais bonitos que a mais linda obra do Louvre. Sentou em uma banquetinha. Tati sentou de frente para ele. Ainda zangada.
─ Você tem essa capacidade de arrancar das minhas entranhas o melhor de mim. – Disse sem tirar os olhos dos dele. Certeira como uma flecha. – Adoro a pessoa que vejo refletida nos seus olhos e adoraria descobrir mais sobre ela e sobre nós dois. – O coração de Jota deu um salto com a expressão “nós dois”. – Mas já estou velha para mais uma furada, Jota.  – Balançou a cabeça com naturalidade. Deu outra mordida no sanduíche. – Quero parceria. Quero de igual para igual. Ou então não me interessa... – Taís o encarava com uma verdade que doía na alma. A sinceridade em estado pleno.
Jota a encarou enquanto ela mastigava a mordida. Esperou que ela tomasse um gole do refresco sem-vergonha que acompanhava o lanche. Pensava na perfeição de cada traço daquele rosto. A arte era impressionante, a arte o mantivera vivo, ele era feito de arte. Mas a realidade sabia ser bem mais surpreendente. Amava a Taís real ainda mais do que a que conseguira criar na sua cabeça.
─ Eu estava para ter um troço antes de te ver. – Ela confessou. – Te admiro do fio de cabelo desarrumado ao dedão do pé dentro desse tênis imundo, sabia? – As palavras jorravam dela impulsionadas pela raiva. – Queria poder dizer o quanto você significa para mim, o quanto me ajudou sem nem saber, falar o quanto estudei para fazer essa entrevista para que você não achasse que eu ainda sou aquela menina burra do ensino médio, queria agradecer por cada livro da sua lista maravilhosa que eu li, por cada palavra de incentivo escondida nos seus quadrinhos. Tanta coisa que nem sei... – Estava realmente zangada. Jota escutava com atenção encostado com os braços em uma mesa de plástico. – E você me vem com a deusa de novo. Com esses olhos que só enxergam o melhor em mim. Como se você não pudesse com os meus sentimentos... Como se eu fosse demais. Você sabe como eu me sinto, Jota? – Mordeu os lábios. Ele não fazia ideia. – Como se nada que eu tivesse feito e aprendido nesses anos todos fosse suficiente. – Despejou em cima dele. – Eu nunca serei essa pessoa que você enxerga. Nunca conseguirei alcançá-la. Ela é inatingível. – Taís o encarava nervosa. – E você prefere venerar essa deusa a ter coragem para me enfrentar de verdade. E isso me deixa puta pra caralho! – Jota riu. Ela se zangou mais ainda. – Tanto. Mais tanto. Que eu tenho vontade de esfregar esse cachorro-quente na sua cara.
─ Eu amo você, Taís. – Não precisava mais de coragem para dizer isso. – Amo de uma forma inconsciente, sem-razão, fora da lógica. Você se misturou em mim de um jeito que nunca consegui explicar. Entrou no meu peito e não saiu mais. – Olhava nos olhos dela. – Eu tenho muito medo do que sinto. Acho que sou capaz de deixar de ser meu tão idolatrado eu para ser quem você quer que eu seja... Isso me assusta.
─ Por outro lado, não faço questão desse sentimento se for para ser a única protagonista dessa história. – Pagou o lanche e se levantou. Joaquim viu a flecha incrível tatuada nas costas dela, no sentido da espinha. – Quero mais é que o Levi se foda se ele está por aí sentado numa banquinha de cachorro-quente esperando a Diana tomar a decisão de voltar e se tornar o grande amor da vida dele... – Taís começou a andar. – Para mim, Jota, quem não escolhe viver, já está morto.
─ Garanto que Levi está disposto a pegar um avião agora mesmo e se jogar aos pés dela quantas vezes for necessário até que Diana o aceite. – Segurou o braço dela.
─ Joelhos são totalmente dispensáveis. – Ela o encarou e os olhos deles se entenderam pela primeira vez. – Basta um beijo. Inesquecível como aquele que trocaram na despedida dele do ensino médio.
Joaquim deslizou as mãos pela cintura dela e as colocou dentro dos bolsos de trás das calças de Taís. Tati o enlaçou pelo pescoço. Queria beijá-lo, mas fez questão que ele tomasse a iniciativa. Jota a abraçou por completo, milhares de emoções explodindo em cada toque e quando as bocas finalmente se encontraram, ambos já sabiam que aquilo ali era amor. De verdade. E para sempre.


***

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Terminei Relicário

Oi, gente,

para quem não percebeu, na semana passada, tinha mais um Relicário. O que demorei mais para decidir. Acabei optando por escrever na perspectiva da Laura, afilhada de Maria Lúcia. Foi uma maneira também de contemplar um pouco das emoções de Malu ao chegar no colégio Santa Inês. Laura tem uma história bem parecida com a da madrinha em alguns aspectos. Mas fiz questão de mudar algumas coisas, afinal, cada pessoa é única, e uma história não se escreve do mesmo jeito duas vezes.

Já hoje, na verdade, ontem da perspectiva de vocês, terminei o décimo quinto conto. E com ele encerro meu trabalho com esses personagens. É um conto sobre Joaquim e quem já leu o último livro já deve suspeitar do que se trata. 

É incrível pensar que acabou. Estou envolvida com esses personagens desde 2010 e adoro a forma como cresceram. Como encontraram suas peculiaridades. E eu também cresci nesse processo. Estava lendo o primeiro capítulo de Do Seu Lado para mandá-lo para uma seleção e quase nem me reconheço mais ali.

Verdade que começar é sem sombra de dúvidas bem mais difícil que terminar. Depois que a coisa toma ritmo, é simplesmente deixar acontecer naturalmente. Os personagens, uma vez criados, vão respondendo com suas próprias personalidades aos entremeios que crio. Sempre sinto que sou a primeira a ouvir as minhas histórias. Que eles é que criam tudo. Pode acreditar, às vezes, chego a me zangar com as decisões que, na realidade, eu mesma tomo.

Nesse clima de despedida, deixei no Clube de Autores a versão em livro de Relicário. A capinha está bonitinha e ele tem formato diferente, estilo pocket. E amanhã o conto estará aqui para quem quiser curtir. Vou arrumar também o blog. colocar todos os links dos livros aí do lado esquerdo de vocês e quem sabe mudar o layout para dar uma mudada de ares. afinal, novas aventuras e personagens me esperam.

Falando nisso, estou quase pronta para encarar o desafio de reescrever meu mito favorito: Eros e Psiqué. Estou estudando o assunto e definindo espaços. Ainda não coloquei nenhuma linha no papel, mas já tem alguma coisa na cabeça. Então, esperem por mim.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Atividade: cinema


Mais uma aventura nessa maratona de férias: cinema. Primeira vez da Bia. Primeira vez da Priscila mãe no cinema. Muita tensão envolvida.

Eu, particularmente, adoro cinema. E não estou falando de filme de arte não. Até tenho dificuldades de tratar cinema como arte, na verdade, reconheço o valor de um Clint Eastwood, de um cinema francês, mas, na verdade, por gosto, prefiro um pipocão americano de aventura ou uma comédia romântica bem fofa a uma fotografia premiada ou um filme cabeça. Gosto tanto de cinema que é um refúgio quando me sinto ansiosa. Sempre que passei por momentos de estresse, escondi-me por duas horas numa sala de cinema e o filme me protegeu. Foi assim, por exemplo, no dia que saiu o resultado da seleção de mestrado. Eu estava assistindo a um filme quando meu namorado (atual marido) ligou para avisar da aprovação. São momentos em que esqueço o que sou. Vou, inclusive, sozinha. E adoro essa solidão. Uma sessão de terça à tarde na companhia de si mesma é maravilhosa.

Quero muito que a Bia goste de filmes também. Do jeito dela, é claro. Lembro bem de ir ao cinema quando era criança. Era um dos nossos programas de férias. A pipoca e a ansiedade. E ainda a propaganda da gelatina Royal com o Bocão: Abra a boca é Royal. Vi no cinema vários filmes dos Trapalhões e da Xuxa como Os Fantasmas Trapalhões de 1987 e Super Xuxa Contra o Baixo Astral de 1988. Sem falar do inesquecível: Uma Escola Atrapalhada de 1990, com Supla e angélica de par romântico (não viu, veja!).

A questão é: quando devemos levar nossos filhos ao cinema pela primeira vez? Vamos combinar que não é um ambiente simpático para os pequeninos. Escuro. Frio. Som alto. Além disso, minha filha, pelo menos, ainda não acompanha uma hora e meia de história bem sentadinha em uma cadeira nem em casa. Sei que é uma coisa que varia de criança para criança, amigos me relatam a capacidade de concentração para assistir a saga toda de Toy Story. Bia acompanha muito bem episódios de vinte a trinta minutos, oscilando entre andar, sentar e dar umas rodadinhas no meio da sala. Por isso, eu estava bem ansiosa com a reação dela. Realmente me preparei para sair no meio do filme se fosse o caso. Não foi necessário.

Cinema é cinema. Uma experiência totalmente diferente. Tem pipoca. Tem cadeira só para ela. Tem outras crianças. Escolhemos "Prourando Dory" por ser um filme de animais, Bia ama animais, mas bem que eu queria um filme mais curto e menos escuro. Sem falar que Pixar é bastante complexo em termos emocionais e as crianças dessa idade têm problemas nas relações com as emoções.Dizem que A Vida Secreta dos Bichos é melhor nesse sentido, não tinha estreado. 

Achou a Dory!
O caso é que fomos e foi surpreendente. Para começo de conversa, fiz como o nosso amigo Daniel Tigre sugere (conheça o Daniel Tigre aqui). Ele diz que " se coisas novas vamos fazer, conversamos sobre como vai ser". Desde a semana passada que eu a preparo psicologicamente para o cinema. Expliquei como era e o que faríamos. assistimos aos trailers e Bia já sentou na cadeira conhecendo os personagens pelo nome. Riu bastante na animação que antecede o filme e quando as luzes realmente apagaram de vez, teve ensaio de choro grande. Coloquei ela no colo. Ofereci um paninho e uma chupeta e ela se conformou a enfrentar o medo.

As crianças estão sempre te ensinando alguma coisa. Achei que a Bia não fosse se concentrar. Que eu tivesse que sair por causa do escuro ou do som. Tanto que fui no dia da promoção para o prejuízo não ser tão grande. Que nada! Acompanhou e entendeu boa parte da história. Tanto que o choro não foi por causa do escuro, ela chorava quando as personagens passavam por situações emotivas fortes. A parte em que Dory se perde dos pais, por exemplo, teve direito a chorinho. 

Ela conseguiu ir até o final. Elogiei a coragem. Do meio para o fim, a ansiedade passou e ela até curtiu. Pediu pipoca. Deu risada. Fiquei impressionada. Com ela e com a minha mãe. Que também conseguiu chegar ao final do filme sem dormir. Dona Rosa é conhecida por não terminar os filmes que começa. Pega no sono até num Tarantino. Conseguiu encontrar a Dory. Uma proeza, considerando que o último filme que assistiu no cinema foi Mulan.

Acabou sendo uma experiência bacana. Algo pelo qual tínhamos que passar. Tenho certeza que a próxima vez, com a Bia já um pouquinho mais velha, vai ser ainda mais divertido.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Atividade: Coleção Airton Queiroz

Nada menos que um Monet
O passeio desse domingo foi maravilhoso em vários sentidos. Infelizmente, não sei se a dor de cabeça provocada por essa TPM maldita me deixará ser fiel às sensações, então, pretendo ser sucinta. A primeira coisa que tenho a dizer a todos os fortalezenses é: vão visitar a exposição. Está incrível. Impecável. Imperdível.

Para os meus alunos do terceiro ano: VISITAÇÃO OBRIGATÓRIA! Tem um setor inteiro de obras da Semana de Arte Moderna de 22. Di Cavalcanti, Portinari, Anita Malfatti. TEM QUE IR. Oportunidade única.

Nosso favorito da Beatriz Milhazes
A Coleção Airton Queiroz está exposta no Espaço Unifor desde o dia 16 de junho e segundo o site ( consulte aqui), ficará disponível até dia 18 de dezembro. Deixarei maiores informações sobre o acesso aqui no final do post. Vamos falar de arte.

Essa é uma coleção particular, para quem não entende o que significa isso, vamos falar do tamanho da oportunidade que é estar de frente para essas obras. Coleção particular significa que os quadros e as esculturas pertencem a Airton Queiroz, ou seja, ele mostra quando e para quem ele quiser. Não se sabe, portanto, quando será possível contemplar essas obras novamente. É uma oportunidade imperdível.

E são obras maravilhosas de artistas renomados, tem Aleijadinho, Brecheret, Rubens, Botero, Tarsila, Dali, Miró. 251 maravilhas para serem admiradas de perto. Coleção digna dos melhores museus do mundo. E, antes que a voz da classe trabalhadora se erga para falar mal das injustiças sociais, já que esses quadros podem comprar dezenas de casas populares, deixa que eu explique uma coisinha. No Brasil, temos gente com grandes fortunas, apreciadores de arte, entretanto, são poucos. Gente que invista em arte é raro. Apesar de ser um bom negócio, para fazer dinheiro com arte, é preciso cultura, coisa que é raro no brasileiro, mesmo aquele com grana. O resultado disso é que muitas obras nossas, como o icônico Abaporu da Tarsila, pertencem hoje a colecionadores estrangeiros. São obras que a maioria de nós nunca poderá conhecer de perto. Fico orgulhosa de saber que um cearense foi capaz de reunir uma coleção dessas. Cheia de artistas nacionais. É uma felicidade saber que essas obras vão permanecer aqui. E que outras oportunidades como essa poderão existir. Uma exposição de qualidade, para o grande público e gratuita.

Botero - o colombiano que adora gordinhos
Com relação ao programa infantil, se você me acompanha, sabe que gosto de levar minha filha para exposições de arte. Ach
o realmente que precisamos incentivar e criar nela o gosto pelo erudito, já que o popular entra pelos poros. Nesse domingo, em específico, a Unifor, juntamente com o curso de Terapia Ocupacional, proporcionou uma manhã diferente para as crianças. Nós já queríamos ir para a exposição. quando soubemos da programação, resolvemos participar.

Quebra-cabeça
Havia três momentos diferentes preparados para as crianças. Tinha um material gráfico, um tipo de caça ao tesouro, com curiosidades sobre as obras que as crianças deveriam procurar, muito legal, mas minha filha ainda não lê, então, não deu para gente. Além disso, algumas obras foram transformadas em quebra-cabeças enormes com ímãs para as crianças montarem nas paredes. Muito divertido. Mas cheio. E bem acima das capacidades cognitivas da pequena. E, por fim, depois de ver a exposição, havia um espaço com telas e tintas, as crianças se inspiravam nas obras e faziam suas próprias pinturas. Esse a Bia simplesmente amou. Ganhamos a manhã. Parece que no próximo domingo tem de novo, mas não tenho certeza, é melhor ligar e se informar.


O Campus da Unifor, por sinal, está aberto nos finais de semana, é um bom lugar para fazer um piquenique ou andar de bicicleta. É arborizado, calçado, plano, seguro, ventilado, cheio de esculturas interessantes para ver, além das emas, que agora passeiam livremente por lá. Ou seja, vale demais a visita. Espero que a universidade continue com  essa mente aberta para a comunidade e que novos projetos surjam.

Exposição Coleção Airton Queiroz
Abertura: 15 de junho de 2016, às 20h
Visitação: 16 de junho a 18 de dezembro de 2016
Local: Espaço Cultural Unifor (Av. Washington Soares, 1321)
Mais informações: 3477.3319 

A visitação é gratuita e pode ser feita de terça a sexta, de 9h às 19h; sábados, de 10h às 18h, e domingos, de 12h às 18h

sábado, 16 de julho de 2016

Relicário

Tudo é cíclico. Vai e volta. Assim como as marés e o movimento dos planetas, as histórias tendem a se repetir. Vendo a afilhada enfrentar a entrada do colégio pela primeira vez, Maria Lúcia reconheceu tanto de si mesma que até ficou emocionada.
A vida de Laura vinha sendo, desde cedo, uma mistura equilibrada entre fracassos e conquistas. Exatamente como a vida de todo mundo. Ela não reclamava. Não por isso.
Seu pai a abandonara quando ela nem tinha um ano. Com quase onze, estava cansada de procurar e insistir. Que seguisse seu caminho. Estava muito bem apenas com a mãe. Reconhecia o esforço dela, do tanto que trabalhara para passar de manicure à dona de salão em tão poucos anos.
Laura sabia o quanto a mãe se esforçava para lhe dar um futuro melhor. Sabia que Isaura não media sacrifícios para que sua filha conquistasse tudo que desejava. E era por isso (e também pela ajudinha dos seus padrinhos, Maria Lúcia e Vinícios) que ela estava ali no Colégio Santa Inês.
Diante daquela construção monumental, Laura ofegava. Aquele colégio era a porta de entrada para a realização de todos os seus sonhos. Queria estudar. Naquele momento, queria ser médica. Mas apenas porque aquela era a carreira que todos diziam que mais precisava de estudos. Laura estava aberta para um mundo de possibilidades, decidiria de fato quando conhecesse as opções.
O Colégio Santa Inês era um dos melhores do país. Dali saíram artistas famosos, saíram cientistas, médicos, políticos, atletas. Tudo era possível para quem cruzava aquelas portas. Respirou fundo, deu uma olhada no uniforme para ver se estava tudo no lugar e deu o primeiro passo, com o pé direito.
Nem tudo era como Laura imaginava que fosse. Algumas coisas eram ainda melhores. O colégio era lindo. Chegava até a esbarrar nas colunas de tanto que se perdia olhando para os detalhes góticos da construção antiga. Era tão grande, mas tão grande, que ela gostava de imaginar o quanto de sua pequena cidade natal caberia ali dentro. Quadra, piscina, teatro, centro de artes, parquinho de educação infantil, sala de música, laboratório disso, daquilo e daquilo outro também, coral e jornal. Quantas vidas precisaria para dar conta de tanta experiência?
Laura era dessas meninas empoderadas com um discurso cheio de autoestima e relativização da meritocracia. Ainda assim, ela ficou com medo quando a professora de Geografia, na primeira aula, começou a falar. Estava acostumada a ser a melhor da turma. Estava naquele colégio com uma bolsa de estudos. Mas nada a preparara para uma discussão acalorada sobre a atual configuração dos grandes blocos econômicos. Mal identificava aquele monte de siglas que seus colegas de sala pareciam conhecer tão bem.
Sentiu vontade de chorar, pois como a professora disse, era apenas uma revisão, aula mesmo, somente no próximo encontro. Quase uma hora de desespero depois, o professor de Biologia entrou. Ele apresentou a disciplina que era nova para a turma. Laura respirou mais calma. Pelo menos, uma novidade para todos, um começo igual a todo mundo.
Quando o professor disse que ia começar a explicar a unidade, Laura tirou o seu estojo da Pequena Sereia repleto de canetas e lápis incríveis que sua madrinha tinha dado. Estava ansiosa para usá-lo. Para inaugurar seu caderno. Foi então que as luzes se apagaram e o professor começou a tocar no ar, mexendo com uma lousa interativa. Ele falava sobre os ciclos biogeoquímicos dos elementos e havia um modelo projetado no ar. Nele, o oxigênio e o gás carbônico oscilavam entre, nuvens, vulcões, rios e animais. Laura se desesperava tentando dar conta de copiar tudo até que alguém lhe disse que o professor ia mandar aquele material por e-mail. E-mail. Laura nunca precisara de um e-mail na sua escola antiga.
No intervalo, a ficha tinha caído. Não pertencia àquele lugar. O seu sanduíche de atum contrastava com os smartphones de última geração. Aqueles meninos falavam inglês fluentemente, alguns tocavam piano, outros disputavam campeonatos de equitação, passavam férias na Disney ou em Fernando de Noronha. Ela mal conhecia a cidade grande e nunca viajara de avião.
Quis realmente voltar para casa.
Lembrou-se da madrinha, ela lhe disse como foram difíceis seus primeiros anos. Não podia imaginar o quanto, mas agora fazia ideia. Malu lhe dera um estojo da Pequena Sereia. Laura nem gostava de princesas. Aceitou porque a madrinha lhe dissera ser sua princesa favorita. Porque Ariel sempre lutou pelo direito de pertencer a mais de um mundo. Agora ela entendia o que isso significava.
O rosto amigo de Alice a acalentou. Não estava sozinha. Precisaria fazer bastante esforço, mas conseguiria se encaixar. A amiga a chamou para o seu parquinho favorito. Alice estudara naquele colégio a vida inteira. Laura estudava no prédio dos grandes e dos adolescentes. Ela não deveria mais brincar em parquinhos. Mesmo assim, subiu em um brinquedo de escalar que parecia uma torre. Ficou lá pendurada. Vendo as outras crianças mais novas que ela brincarem.
Foi quando um garoto da sala dela, um loirinho de sardas perto no nariz, subiu no brinquedo com tamanha velocidade, fugindo de um grupo que corria atrás dele, que pisou na sua mão. Laura, por reflexo de se proteger, acabou se desequilibrando e caiu de costas no chão. O garoto olhou para ela, meio sem saber o que fazer, mas decidiu continuar correndo do grupo de amigos.
Alice veio em seu socorro. Ajudou Laura a se livrar de parte da areia. A queda não foi grande, porém, foi feia o suficiente para que alguns adultos viessem verificar se ela estava bem. Laura ficou com vergonha.
─ Garoto idiota! – Alice disse. – Você quer ir na coordenação denunciá-lo? Não se pode correr por aí fazendo parkour como se não existisse mais ninguém no mundo...
─ Parkour? – Não sabia nem o que significava, como é que ia denunciá-lo.
─ Um nome bonito para sair se pendurando nas coisas...
Laura achou melhor não ir para a direção no primeiro dia de aula. Não acontecera nada demais. Estava bem. Razoavelmente limpa. E não precisava de uma inimizade. Preferiu entender que se tratava de um acidente. O intervalo acabou e ela voltou para a sala.
Esperando na porta. O garoto do Parkour. Estava com um grupo enorme. Todos pareciam idolatrá-lo. Ele sorriu quando a viu, não era um sorriso amistoso. Laura estreitou os olhos.
─ Você caiu como uma jaca podre. – Todos os coleguinhas riram da bobagem que ele dissera.
Podia ser uma caipira. Podia ser a menina pobre com bolsa de estudos. Mas, definitivamente, não fora criada para aguentar desaforo de menino. Não seria usada. Nem mesmo numa tentativa chula de autoafirmação masculina infantil. Em um movimento rápido, Laura colocou o antebraço no pescoço do garoto. Ele quase sufocou. Precisava ficar na ponta dos pés para respirar. Não esperava o golpe.
─ Escuta aqui, metidinho, se você quer mostrar um espetáculo para os seus macaquinhos de auditório. – Ela encarava os outros garotos que estavam boquiabertos. – Saiba que vai precisar pagar o meu cachê, porque ninguém nessa sala, e nem nesse colégio vai ser capaz de me prender numa jaula ou me transformar numa aberração. Entendeu? – Só então ela o soltou.
O garoto recuperou o fôlego e não tirou mais os olhos dela. Laura foi para sua carteira e ouviu duas colegas conversarem sobre aquela baboseira de sempre, sobre como os meninos tratam mal as meninas que eles gostam para chamar a atenção. Nunca gostara daquilo. Estava na hora das mulheres recusarem certos tratamentos. Estava na hora de separar carinho de agressão.
Assistiu ao restante das aulas com uma dose extra de confiança. Ia vencer. Era determinada o bastante para conseguir.
Na manhã seguinte, completamente espantada, Laura recebeu um bilhete carinhoso com um pedido de desculpas e uma rosa branca do garoto que ela agora sabia se chamar Igor.
Porque, afinal, a vida encontra várias formas de se repetir, mas algumas coisas simplesmente precisam mudar.


***

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Livros Brinquedo


Quero que vocês assistam a esse vídeo do canal:  Bel para meninas para que a gente possa conversar. Antes de mais nada, não tenho a menor intenção de censurar a menininha. Gosto do canal dela, acho que se trata de uma criança sendo criança, o que é ótimo e adoro o fato da mãe dela dar suporte para esse sonho de ser youtuber. a questão não passa por aí, viu?

O que eu gostaria de chamar a atenção para o vídeo da Bel, que por sinal, é bastante articulada e escolheu um tema interessante para o seu vídeo, seguindo seus gostos, é o fato de que todos os livros que ela mostra são, na verdade, brinquedos. Todos os livros vêm com acessórios. Mexem. Fazem coisas. Encaixam. Vestem. Abrem, Enfim, fazem de tudo.

Acho os livros-brinquedo maravilhosos, gente. Aqui no Brasil, infelizmente, temos uma cultura em que não é elegante se dar livros de presente de aniversário para as crianças. Verdade verdadeiríssima. Tem pai que vai achar que se você está dando livro é porque não quis gastar com nada melhor. Vergonha! Nesse caso, muito provavelmente, a criança não aprendeu a valorizar a leitura. Portanto, um livro brinquedo é um estímulo. Uma forma de aproximação e pode ser muito positiva.

Minha filha tem vários livros que são um brinquedo. Desde bebê. Livro que vai no banho e que tem o personagem da história de apertar. Livro de pano com estímulos sensoriais. Livros de abre e fecha. Livros que precisam levantar e puxar abinhas. Os livros para bebês realmente são para brincar. E, hoje em dia, nossos favoritos são Urso Bob em um dia agitado da Ciranda Cultural (nesse livro tem um relógio para a criança marcar as horas do dia que o ursinho faz suas atividades. Além disso, tem abas escondidas. Bia gosta muito, mas ainda não sabe colocar as horas, tá?) e o outro (quem gosta mais desse sou eu, admito) é o Eu sei pilotar submarino da editora Libris (Nesse livro, esse submarino tem um ímã e você o manipula pelas páginas com essa alavanca vermelha no final da capa. Cada página tem um buraco para o submarino passar. Exige bastante coordenação motora e paciência para vencer o desafio).

O que me preocupa sobre os livros-brinquedo é a sua escolha exclusiva. Perceba que no vídeo da Bel, por exemplo, em nem sequer um momento ela conta a história dos seus livros favoritos. Eles são meramente objetos que fazem algo divertido e não uma porta para um mundo de fantasia. Mesmo sendo muito articulada, ela não fala dos seus personagens favoritos nem do que mais gostou das histórias. Mais uma vez, não estou aqui perdendo o meu tempo criticando uma menininha agradável, muito menos uma mãe zelosa como a dela. 

Esse post é apenas uma observação relevante sobre as nossas relações de consumo. As crianças têm muitos brinquedos. Desde que a China entrou no mercado de exportações, o brinquedo foi um dos produtos que barateou bastante. Andamos em casas entulhadas de peças coloridas. Ganhar brinquedos ficou tão comum que as crianças nem se interessam muito por eles. Portanto, não precisamos transformar livros em mais brinquedos. As crianças precisam de livros que são livros. Precisam conhecer a leitura e participar dela. Reconhecer a vantagem de imaginar seus personagens e universos fantásticos, admirar as ilustrações dos artistas e, um dia, deixar de precisar dessas ilustrações e ler livros sem figuras.

Filho leitor é uma dádiva. Mas, antes de tudo, é um legado. Transformar a leitura em uma atividade corriqueira e prazerosa é algo que demanda tempo e dedicação por parte dos pais. Em algum momento, na transição entre bebê e criança, eles precisam compreender que o livro não é um objeto como outro qualquer. Tem um mundinho todo particular dentro do livro. E quem vai ensinar isso para a criança é o adulto. Então, não dá para deixar a criança interagir sozinha com o livro sempre, como muitas vezes, muitas crianças fazem com seus brinquedos. O adulto é parte sine qua non do lúdico na leitura nos primeiros anos de vida. 

Então, gente, vamos ler para essa criançada!

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Rodízio de Pizza

No final de semana, já virou quase um hábito mensal, vamos a um rodízio de massas daqueles que surgiram pela Treze de Maio. A Bia adora macarrão e é a sensação do lugar todas as vezes. Os garçons param para ver sua desenvoltura com a massa. E essa diversão garante uma noite sem interrupções, pois, em geral, ela ainda acorda de noite pedindo leite, mas em dia de macarrão é sono pesado mesmo.

Da última vez, em particular, no mesmo espaço que a gente, havia uma daquelas mesas enormes cheias de adolescentes. Esse lugar em que vamos, tem um espaço com ar condicionado e um espaço aberto. Em geral, os adolescentes, que brotam nos rodízios de pizza, escolhem o lugar mais aberto para poderem falar alto e tentar tirar a atenção uns dos outros dos seus respectivos smartphones. Não foi o caso do grupo em questão. Eles tomaram o nosso espaço.

Você deve imaginar como foi a noite. O barulho era insuportável. Não que eles conversassem, isso é raro hoje em dia, a questão é que é difícil organizar três ou quatro pessoas e o prato de comida nas fotos que vão para o Insta. Além disso, é realmente complicado ter essa vida dupla e ser interessante pessoalmente por mais de dez minutos  e na internet pela 24 horas por dia. Exige esforço. Tem que ser divertido, sexy, mas sem ser vulgar... Afinal, como a pessoa vai reagir se o crush der like? E se colocar o coração ao invés do positivo? E se o crush estiver na mesa e der like? 

Gente, o negócio mudou muito nesses últimos quinze anos em que tenho tentado ser adulta. Certas coisas, obviamente, continuam as mesmas, pude verificar. Os garçons, por exemplo, continuam sem conseguir sair do campo magnético de uma mesa de adolescentes. Oito pedaços de pizza, não importa o sabor, eles topam da muçarela sem-vergonha à inexplicável pizza de cachorro-quente, é pouco ainda para quem tem um metabolismo tão acelerado. Depois dali, muitos deles vão dar conta de um pacote de Passatempo Recheado enquanto se atualizam sobre as últimas que seus youtubers favoritos aprontaram. Alguns, provavelmente, ainda vão gravar vídeos em casa, sonhando em se tornar o youtuber favorito de alguém.

O fato é que a disputa pela comida se tornou tão acirrada em dado momento que meu marido chegou a se desculpar pela escolha da noite. Afinal, não era justo essa overdose de adolescente, sala de aula e restaurante de fim de semana. Que nada! Eu estava fascinada com aquele material humano exposto na minha frente. Acho incrível como nessa fase da vida lutamos tanto para sermos ao mesmo tempo aceitos e nos destacarmos pelas nossas diferenças e particularidades. O cabelo fica azul ou de qualquer outra cor. O outro malha (só braço) e toma shake de proteína, a mãe que compra, é claro. Aquele ali assiste anime e leva o negócio bem à sério, como se tudo de Miyazaki a Dragonball seja arte em estado puro. Tem o tocador de violão que já aprendeu Pais e Filhos e aquela do Nirvana. Tem aquele que tá lendo As Brumas de Avalon e achando que finalmente adentrou o universo da literatura adulta. E tem o que vai fazer Medicina, o que por si só já é uma garantia de que ele é mais inteligente que todos os outros.
Em sala de aula, é fabuloso ver, com o passar dos anos, como uns substituem os outros. É como um jogo de cartas marcadas. Basta procurar em que carteira cada cartinha do seu deck sentou nesse ano. Tão diferentes e tão os mesmos. Em seis anos de Liceu, por exemplo, já achei que um menino tinha repetido de ano, quando na verdade era outro, bem parecido. Mas um fazia a vibe vagabundo e o outro era a versão religioso-nerd. Ainda bem que eu tenho a política de não chamar nem o diretor pelo nome em sala. Sou péssima com nomes e pretendo continuar sendo. Isso não significa que eu não me importe com meus alunos. Só acho que amizade com professor não é coisa de colégio. Na escola, eu sou a autoridade. O adulto responsável. E muitos jovens precisam mais disso do que de outro amigo.

Claro que existem pessoas incríveis nesse mundo e que ficam na sua cabeça para sempre. Mas mesmo elas são variações no espectro de clichês que é a adolescência. E isso tem seu lado positivo. Somos bem mais empáticos com experiências que já vivemos. Como eu ia reclamar daquela galera barulhenta no rodízio se eu era um deles faz tão pouco tempo? Se eu já fui expulsa de um Habib's por cantar parabéns para uma Coca-cola dezoito vezes? Verdade. E o pior é que nem era aniversário dela.

Felizmente, para o nosso jantar, a refeição do grupão já estava mais perto do fim do que do começo. Pudemos acompanhar de perto o dilema dos centavos. "Minha conta deu dezenove reais e trinta sete centavos. Você tem troco para cinquenta?". "Reais?". "Não. Centavos". Deu para sentir o friozinho na espinha daquele que faz a conferência final da conta. Preocupado se todos tinham pagado ou se ia sobrar alguma coisa de alguém para ele. Impressionante como a conta só cai com você naquele dia que você tomou Big Gym porque não tinha grana para a Coca-cola. Naquele dia que você foi a pé para economizar para o rodízio. 

Não tenho menor saudade dessa parte. Prefiro o atual: "Você vai ser um filho-da-puta se ousar tirar o dinheiro da sua carteira. Deixa que eu pago essa, porra! Não quero nem ver esse dinheiro. Enfia no cu". (Somos amigos de longa data, isso permite esse tratamento carinhoso)

Sinto mais falta de rir de qualquer coisa. Até o vento é divertido nessas mesas de adolescentes. Das imitações dos professores. Hoje, que coisa, eu sou a pessoa a ser imitada. Nosso grupo controle tinha o engraçadinho que fez uma série de imitações dos professores do colégio. Ele era tão alto. Tão magro. Tão sem chance de chamar a atenção de qualquer menina, que o jeito era fazer os meninos bonitos da mesa o acharem engraçado e tentar pegar uma amiga-da-ficante-do-gatinho. Sinto falta de exagerar todos os meus sentimentos e depois de dois segundos e um papo com um paquera no ônibus, não sentir absolutamente nada. E sinto falta dos abraços.

Quando a gente é adolescente, a gente abraça com uma vontade, não é não? Porque os amigos são para sempre. Porque não tem problema que não consigamos resolver com a nossa certeza de quem não sabe nada da vida. Porque todos os sonhos são possíveis. Porque, no espaço de um abraço, aquele carinha vai perceber que é mais do que amizade. Porque, de certa forma, nós ainda somos crianças nessa fase.

Vou ter de concordar com a minha contemporânea, Sandy Leah, "sou velha demais para ser jovem e jovem demais para ser velha". Olho para trás e vejo coisas incríveis, penso o quanto me diverti e que plantei sementes bem legais. Eu fui a adolescente que tinha de ser, no tempo certo, fazendo campeonato de quem comia mais fatias de pizza e contando os centavos para pagar três esfirras, o refrigerante e a passagem de volta para casa. Agora, apesar da saudade, a adolescência me diverte. Sempre digo que minha profissão é meio vampirismo. No meio dos meus alunos, nunca me esqueço o que é estar a fim de alguém que é demais para o meu caminhãozinho, nem de como uma prova surpresa pode ser um horror ou ainda, como a necessidade e a adrenalina ativam partes criativas do cérebro quando se trata de pesca.

No entanto, meu lugar é aqui. Nos trinta. Sem saco para balada lotada. Sem estômago para comida ruim. Levando criança para o pediatra. Pagando minhas contas. E vendo meus sonhos se tornarem realidade. Os amigos ainda são os mesmos. O amor é para a vida toda. e carrego a satisfação de não desejar ter feito absolutamente nada de relevante diferente. Espero realmente chegar aos quarenta, aos sessenta, aos oitenta, da mesma maneira. Ciente de que fiz o que tinha de fazer. Cada vez mais apurada. E feliz em observar que os anos passam como fatias de pizza num rodízio e é você que escolhe se vai querer vivê-los ou não.