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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Representatividade

Nessa semana, eu estava passeando com a Bia por uma loja de brinquedos, quando nos deparamos com uma prateleira de bonecas. Eram bonequinhas bebê de uns doze centímetros, algumas loiras e outras negras. Uma boneca negra me chamou a atenção por causa da roupa e eu a mostrei para Bia. Tomei um susto com a reação dela. Encolheu a mão numa reação típica de medo. Quis sair de perto da boneca. E não houve quem fizesse ela tocar no brinquedo.

Se fosse com outra pessoa, talvez eu julgasse isso como racismo, mas a questão é que esse não é um assunto tratado na minha casa. Nós não falamos sobre negros. Falamos sobre pessoas. Aqui não tem piadinha. Não tem empregada para levar a culpa. Nós sequer convivemos com negros no nosso círculo mais íntimo para gerar comentários desnecessários (aqui no Ceará isso não é difícil, temos poucos negros). Enfim, a questão da cor da pele das pessoas não é assunto em pauta nesta residência. E eu me dei conta de que é justamente esse o problema.

Eu estava preparada para lidar com a questão da representatividade um dia. Estava preparada para conversar sobre racismo. Sobre a beleza de ser diferente. Só não sabia que seria tão cedo. E que a mídia, de certa forma, afetaria minha filha tão cedo. A Bia tem apenas um ano e nove meses, ela está dando os primeiros passos na comunicação humana. O quanto será que ela já absorveu dessa nossa cultura excludente que ignora a existência do negro? Foi o que eu me perguntei.

Cheguei à conclusão que não apresentar é também uma forma de excluir. No universo que ela conhece de Barbies e bebês loiros, não mostrar a diferença da cor, não discutir a diferença, não deixar evidente a existência das possibilidades é também um erro. Enfim, o contraste é importante na formação de conceitos. E, achando que essa aquisição viria de maneira natural, acabei deixando que ela levasse um choque de realidade.

Não me leve a mal. A Bia tem bonecas negras, mas ela ainda não brinca muito com bonecas, então, algumas ainda estão nas caixas ou nas prateleiras e eu nunca chameia a sua atenção para o assunto. Depois dessa história, essa bonequinha negra aí saiu do baú. A coisa é séria. Do meu ponto de vista, o medo da Bia advém do fato de ela não conhecer pessoas negras, não ver na televisão desenhos de pessoas negras, não ver brinquedos com traços negros. E o estranhamento causa o medo.

Nossa estratégia para enfrentar a ojeriza tem sido brincar com as duas bonecas. Descrever as diferenças. Mostrar as semelhanças. E banalizar a cor da pele, mostrando que existem muitas variações. Bia ainda se mostra arredia, mas já se aproxima da boneca negra e é capaz de alguma interação.

Foi chocante para mim perceber que minha filha tem medo de bonecas negras. Mas aí me dei conta de como devem se sentir as meninas negras num universo onde elas (aparentemente) não existem. Onde não há ideais de beleza negra. Onde o negro representado é o subalterno. O excluído. O pobre. Como construir uma autoestima nesse contexto?

Também me dei conta de que minha função de mãe passa por esse lado da educação também. De mostrar o que ninguém quer mostrar. A diferença. Afinal, o suposto padrão está aí todo dia para ser visto e copiado. Pois não estamos falando de apresentar apenas o negro às crianças. Esse processo de aproximação com a diferença vai precisar acontecer com o cadeirante, com a pessoa com Down, com as religiões com a homossexualidade, enfim, com o universo de possibilidades que a condição humana apresenta. Entendi que, nesse momento, minha filha precisa aprender a perceber a diferença e, no passo seguinte, exercer a tolerância. E quem tem essa obrigação de ensinar somos nós, sua família, pois a sociedade continua apenas repetindo padrões excludentes e tantas vezes imperceptíveis que chegam até nós das mais variadas formas e se entranham na nossa vida sem que sequer tenhamos consciência disso.

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