Algumas vezes me perguntam o que fazer com as crianças que não leem. Para começo de conversa, todos os seres humanos gostam de histórias. Faz parte da nossa condição humana. É a forma mais fácil de aprender e, no nosso processo de evolução, nós e o nosso cérebro já sacamos que é melhor ouvir uma história e não cometer o mesmo erro dos personagens (o que pode ser fatal) do que fazer como os chipanzés e ir por tentativa. Então, crianças gostarão de ler. Basta apenas descobrir o quê.
Existe, entretanto, um momento de transição delicado. O momento em que deixamos de ler para eles e que eles passam a ler sozinhos. Nesse momento, o acompanhamento é primordial, pois o interesse precisa vencer as dificuldades. Ao ler para nossas crianças, além da nossa presença, que por si só já é um incentivo grande, nós fazemos as vozes, pontuação, explicamos as palavras que eles não conhecem e isso facilita demais.
Crianças recém-alfabetizadas, entende-se aqui a faixa etária de seis a nove anos (sim, o processo de aquisição da língua escrita é demorado e, por que não dizer, permanente), não devem ser abandonadas com suas leituras. Eles tanto não têm maturidade para escolher o que ler, visto que seu conhecimento de mundo é limitado, quanto têm ainda dificuldades imensas com pontuação e vocabulário, o que prejudica o sentido. Se sua criança, nessa fase, achar que a leitura é uma atividade chata e difícil, uma tarefa enfadonha, o jogo está perdido.
Como é possível estimular essa criança? Na minha opinião, companhamento e interesse. Primeiro de tudo, não a deixe sozinha na exploração. Pergunte sobre o que está lendo. Ria das piadas bobas que ela acha engraçado nos livros que lê. Mostre o que você gosta de ler, pode até mentir ou relembrar o passado dizendo que ainda é fã do Chico Bento, responda as dúvidas e ensine a procurar o significado das coisas, no dicionário e no google (não adianta fingir que esse recurso não existe e exigir que a criança procure significados apenas nos dicionários).
Mas a chave da questão está principalmente no interesse. O assunto deve ser tão maravilhoso que a criança vai se sentir tentada a buscá-lo apesar das dificuldades. E isso é extremamente pessoal. Daí, você precisa saber o que é o interesse da sua criança. Cito alguns comuns: piratas, sereias, fadas, dinossauros, planetas, monstros. Vai do gosto do freguês. No meu caso, sempre adorei fantasia, das sereias e monstros, caí direto na cadeia lógica da mitologia grega, onde fiquei boa parte da minha adolescência. Já meu irmão gostava dos dinossauros e dos planetas, enveredou pelos caminhos das ciências naturais, mesmo assim é um leitor ávido.
Exemplo de página |
Todo esse introdutório é para falar de uma dica de leitura para essa faixa etária específica. É certo que hoje lidamos com um excesso de estímulo tecnológico que não favorece em nada o desenvolvimento. Pelo contrário, cristaliza e emburrece. Mesmo assim, com computadores, tabletes e celulares, nunca vi esse livrinho falhar. Trata-se da série Onde está Wally?
Esse livro ( na verdade, é uma série bem longa de livros) é um excelente incentivo à leitura, pois fica entre o livro e o brinquedo. Nele, você vai encontrar pequenas mensagens desse personagem (Wally) e terá de procurá-lo em cenas, as mais diferentes possíveis. As páginas são duplas e cheias de pessoas e situações inusitadas. A brincadeira é achar o desorientado Wally, os objetos que ele sempre perde e uma infinidade de outras coisas descritas nas páginas finais dos livros.
Criada pelo ilustrador britânico Martin Handford em 1987, a série fez um sucesso estrondoso, chegando a virar desenho animado. Publicado no Brasil pela editora Martins Fontes, esses livros esgotaram na época. Ainda me lembro bem da primeira vez que o vi. Foi presente de aniversário ou natal de uma prima. Disputávamos para brincar sozinhos achando as coisas e nos divertíamos procurando juntos nas páginas grandes e coloridas em grupos de duas ou três crianças.
Hoje em dia, existem inúmeras variações desse livro de procurar, da marvel, da disney, enfim, é fácil achar na livraria. Ainda acho o Wally o melhor entre eles porque traz cenas inusitadas e a possibilidade de adquirir um extenso vocabulário. Exemplo, nas páginas de trás, será pedido que a criança encontre um viking com uma trompa, corre um risco muito grande de que as crianças de nove anos não saibam nem o que é viking, nem o que é trompa. Para achar a figura, será necessária uma explicação, talvez até uma pesquisa rápida. Essa pesquisa é uma porta para novos interesses. Vai que seu filho vai adorar histórias de vikings?
Além disso, Onde está Wally? estimula a concentração e o contato com o objeto livro. Uma outra coisa maravilhosa é que não tem resposta. Se você não achar, não tem como saber onde está. Então, de quebra, ainda vamos aprender a lidar com a frustração e trabalhar a determinação.
Eu poderia passar mais meia hora só falando desses livrinhos de que tanto gosto. Mas acho que esse post já ficou grande demais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário