─ Você não precisa me acompanhar, Vini.
Obrigada pela carona.
─ Eu adoro o café da manhã dessa
padaria. Sempre venho. – Ele fazia questão de acompanhá-la.
─ Que seja! Mas posso muito bem pegar um
táxi quando sair daqui. – Vini a seguia pela porta giratória do estabelecimento.
─ Deixa de ser chata, Malu. Vamos tomar
café e depois deixo você em casa. Prometo. – O sorriso de Vini a ganhava
facilmente. Porém, como gata escaldada, estava com o pé atrás, não queria
entender as coisas errado e levar outro passa fora. – Que mal tem nisso?
─ Quem quis distância foi você. –
Soltou.
─ Já não tenho mais tanta certeza
disso... – A resposta dele a desarmou. Ela ficou lá parada de frente para ele,
completamente sem ação. – Preciso ser seu amigo, Malu. – Vini a conduziu até
uma mesa. A palavra amigo fizera com que ela recuperasse um pouco da razão. – Quero
muito conhecer a pessoa que você se tornou. Quero afastar a Maria Lúcia do meu
passado. Aquela que eu amei tanto. A que não existe mais ou que nunca existiu.
Sei lá! – Ele pediu duas xícaras de café. Com chocolate para ele, puro e sem
açúcar para ela. Malu explicou como queria o seu café, pois ele não sabia mais
como era. Eles se transformaram naquilo. Vinícios quase nunca tomava café e se
tomava, misturava com um chocolate ao leite bem forte. Maria Lúcia, depois de
tantos plantões, colocaria café puro na veia se pudesse. Duas pessoas
completamente diferentes do que um dia foram.
─ Então, você está esperando que a minha
pessoa atual destrua a ilusão da pessoa que eu um dia fui. Animador... – Tomou
um gole do café amargo.
─ Não seja tão dramática, doutora. Apenas
estou cansado de fingir que você não me afeta. – Vini a encarou bem no fundo
dos olhos com aquele verde translúcido que a perseguia pelas noites americanas.
– Já perdi tempo demais zangado por você ter voltado. Como se você tivesse
culpa de alguma coisa. Como se eu também não fosse protagonista dessa história.
– Ele respirou fundo. – Não é justo. Entendi que o seu retorno abalou minhas
certezas. E que lá atrás, junto com você, acabei abrindo mão de muita coisa
importante. Por isso, quero agir como adulto agora. Imagino que a nossa
aproximação vai trazer de volta muito de mim que deixei pelo caminho. Então,
estou escolhendo me abrir ao invés de me fechar. Preciso confiar nas minhas
escolhas. O tempo vai me mostrar o que vai e o que permanece nessa fase da
minha vida.
─ Entendi. – Outro gole de café. – Você
acha que se aproximar de mim vai fazer você ter a certeza de que a Taís é a
mulher certa.
─ Mais ou menos isso... Espero, pelo
menos, que prove que você é a mulher errada. – Tentou parecer engraçado, mas
soou mais sério do que gostaria.
─ Talvez funcione para você.
─ Como assim?
─ Não dá muito certo comigo. – Fugia dos
olhos dele olhando para o fundo da xícara vazia, mas queria dizer mesmo assim.
– Quando eu estou perto de você, é como se não tivesse passado nem um dia
sequer. É como se nós estivéssemos ontem naquele aeroporto. Ainda me lembro de
cada palavra dita pela sua voz. Lembro que você disse que as histórias só
acabam quando todos estão bem. – Respirou fundo e criou coragem para encará-lo
novamente. – Eu não estou bem. Por isso, presumo que essa história não acabou.
─ Você vai ficar bem. – Vini falou com a
convicção de um homem comprometido, porém, as palavras dela soaram fundo na sua
alma.
─ Desejo isso tanto quanto você. –
Forçou um sorriso.
Maria Lúcia e Vinícios foram se servir.
Ela colocou frutas, cereal e iogurte. Ele pegou um pedaço de pão recheado e
outro de torta de maçã. Vini ficou encarando o prato dela com censura, esperou
ela perceber para falar alguma coisa.
─ Está vendo, é disso que estou falando.
Realidade. – Ele riu. – Eu te trago nessa padaria maravilhosa, cheia de coisas
incríveis para comer e você escolhe frutinha, cereal e iogurte. Sério? Que tipo
de pessoa você se tornou?
─ O tipo que come alguma coisa saudável
quando não é obrigada a cozinhar para si mesma... – Ele riu mais ainda. – Se eu
não fizesse isso, certamente, já estaria morta.
─ É tão ruim assim?
─ Meu supermercado se resume a requeijão
e miojo.
─ Você sabe cozinhar. – Ele se lembrava
muito bem disso.
─ Sei, mas atualmente não tenho tempo,
não tenho motivo, não tenho companhia e não tenho sequer um forno no meu
apartamento para cozinhar... – Ela riu da situação, na verdade, era até triste
se encontrar daquele jeito.
─ Vida de solteirona. Sei como é que é.
– Ele balançou a cabeça, estava se divertindo. – Você deveria começar a comprar
gatos. Quem sabe vocês poderiam dividir a ração. Atum é muito saudável, dizem
por aí.
─ Primeiramente, não zombe da minha
solteirice, mas considero realmente comprar um gato. – Vini riu. Malu sorriu. –
Em segundo lugar, que envergadura moral tem o senhor para me censurar, senhor
engenheiro? Até parece que você cozinha quando chega exausto do trabalho. – Ele
ficou calado para não se comprometer. – A não ser que a sua namorada tenha
escondido o jogo lá na casa da Ana Maria e seja uma excelente cozinheira, o que
eu duvido, pela forma como ela separou a cebola do arroz selvagem maravilhoso
do Pedro. Você deve comer tão mal quanto eu.
─ Ponto para você. – Admitiu. – Minha
semana é uma mistura de delivery, comida pronta e as receitas fitness da
Taís...
─ Açaí? – Ela fez cara de nojo.
─ Pelo menos duas vezes na semana. –
Lamentou. Detestava, mas a namorada comia com tamanho prazer que acabava
topando.
─ Prefiro os gatos. Ninguém merece açaí.
─ Todo mundo tem defeitos. Ela vale a
pena. – Revidou.
─ Ela é linda.
─ Você só fala isso.
─ Não conheço a moça. Parece perspicaz.
Curiosa. Sei lá! – Não queria destratar a namorada dele. Entretanto, não dava
para encher de elogios a mulher que está com o homem que você deseja. – Qual é,
Vini? A mulher parece uma deusa. Você quer que eu diga o quê?
─ Você também é linda. Sempre foi. Agora
mais ainda. Mas fala como se não fosse... – Encheu a boca com torta de maçã
para não continuar a soltar aquele tipo de palavra. – Isso é irritante.
─ De que adianta ser linda se ninguém me
ama, ninguém me quer... – Forçou um beicinho.
─ Porque quer. – Continuou a mastigar a
torta com mais força ainda. – Meu sócio daria um braço para sair com você...
─ O Paulinho?
─ Esse mesmo, dona Maria Lúcia. O Paulo
Sérgio. – Tirou onda por causa da intimidade. – Negro. Alto. Falastrão. Mas nem
sei por que perder tempo descrevendo. Você parece saber exatamente quem é o
Paulinho.
─ Ele é um amigo divertido. Sempre me
manda vídeos engraçados pela internet.
─ Acabou com o cara. – Vini riu. –
Tadinho do negão, caiu na friendzone.
─ Para com isso, Vini. – O jeito
espalhafatoso de Vini a fazia rir e a essa altura ela já começara a roubar
pedaços da torta de maçã. – O Paulo Sérgio é um cara bacana, admito. – Ela respirou
fundo para não continuar a rir. - E vai bem mais a obra do laboratório do que o
engenheiro responsável pelo maquinário...
─ Senti uma indireta no ar. – Brincou
sem se incomodar em dividir a comida com ela.
─ Talvez eu considere chamá-lo pra um
jantar de verdade quando meu apartamento estiver em um nível aceitável de
convivência, ok?
─ Tenho certeza que ele vai adorar. E
você também. É um dos caras mais legais que eu já conheci.
─ Mas não é o cara mais legal do mundo.
– Ela completou.
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