Tão logo se mudaram, alguns dos
incontáveis amigos dos pais os convidaram a participar das festas da sociedade.
Aquela não seria a primeira vez, nem a última, em que ele estaria numa reunião
social sem conhecer ninguém. Desde pequeno, participar de eventos assim era
mais constante em sua vida do que passeios de bicicleta pelo parque.
Conhecia todo o protocolo, os
cumprimentos, os sorrisos, as perguntas. Fazia parte do trabalho ser simpático,
estreitar laços, estabelecer relações.
Portanto, sem reclamar, brincava com crianças que nunca mais veria,
recebia beijos de senhoras que lhe davam medo e conversava trivialidades com
desconhecidos, mesmo com todo o empecilho que a timidez proporcionava. Cumpria
o combinado sem reclamação, mas era bem difícil.
O irmão não era tímido. Por isso, havia
tempos que não considerava festas como aquela uma tortura. Pelo contrário, anos
mais velho do que ele, aproveitava a ocasião para paquerar as garotas mais
bonitas sem se preocupar com compromisso.
Carlos Eduardo seguia orientações e
contava minutos. Quando menor, se a mãe o deixava brincando com os meninos da
sua idade, ficava entre eles até ser resgatado, ainda que aquilo lhe custasse
alguns socos e arranhões. Ele foi ensinado a não revidar para que os problemas
não chegassem aos ouvidos da anfitriã da vez, provavelmente, a mãe dos novos
“amiguinhos”.
Agora, no auge dos seus doze anos, não
precisava mais nem correr, nem lutar pela própria sobrevivência com garotos
cretinos. O início da adolescência trouxera alguma civilidade para o suplício e
ele achava isso ótimo. Usava um terno caro e um sorriso falso. E era
apresentado pela mãe. Mas continuava contando os minutos.
─ Que garoto bonito! – A mais nova amiga
da mãe passava a mão pela sua bochecha. Examinava-o como se ele fosse um animal
exótico. – Parece o ator daquele filme...
─ Esqueceram de mim? – A mãe completou
com um sorriso.
─ Isso mesmo. – A mulher continuava a
acariciar seu rosto e a encará-lo.
─ Todo mundo diz isso o tempo todo.
Tudo que ele poderia fazer em ocasiões
como aquela era sorrir. Responder o que lhe era perguntado. E contar os
minutos.
Em casa, quando se comportava como hoje,
viria a recompensa. Os pais compreendiam que sua intensa vida social nem sempre
era uma opção saudável para os filhos. O esforço da presença nas festas nunca
era renegado por eles. Sempre que o convite era irrecusável havia uma
negociação. Naquela noite, para Kadu, significava um pote do seu sorvete
favorito.
─ Como é o nome dele? – Simplesmente detestava
quando alguém perguntava algo sobre ele para sua mãe quando ele mesmo estava ali para
responder. Sentia-se um poodle, um hamster ou qualquer outro animal de
estimação.
─ Carlos Eduardo. – Respondeu seco antes
da mãe poder dizer alguma coisa. Percebendo que agira por impulso e que aquela
atitude desagradaria à mãe, tentou consertar sorrindo educadamente.
A mulher a sua frente não pareceu se
incomodar com a rispidez. Aparentemente, era uma mulher elegante, a provável
dona da casa e da festa. E ele sabia que a pessoa que morasse numa casa
daquelas só poderia ser influente e uma importante relação para mãe. Redobrou a
intensidade do sorriso.
─ Venha, Carlos Eduardo, eu vou lhe
apresentar a minha filha. Ela tem a sua idade. – A dona da casa o puxou pela
mão sem cerimônia. Não pôde deixar de achar isso bom, tanto por ela não ter se
ofendido, quanto pelo fato de o manter afastado do provável sermão que sua mãe
daria se ficassem juntos naquele instante.
Logo ele estava numa sala ampla com um
magnífico piano branco ao centro. Nunca tinha visto uma casa com um piano de
verdade. Aquela gente deveria ser milionária a pelo menos oito gerações. Ficou
fascinado pelo instrumento.
─ Milena, - ela chamou uma menina
sentada entre senhoras. Ela respondia educadamente a tudo que perguntavam.
Besteiras sobre a escola e o balé. Carlos Eduardo conhecia muito bem aquele
tipo de sorriso. O mesmo sorriso dele. – venha cá, querida. Quero lhe
apresentar uma pessoa.
Era, sem a menor sombra de dúvida, a
menina mais educada que tinha conhecido. Além de linda. Uma boneca de rosa dos
pés a cabeça. Seu tom de voz era igual ao de um anjo. Um jeito de andar de
bailarina. E luvinhas de seda. Quem usaria luvas de seda nesse calor? Teve a
certeza de que estava diante de uma princesa de contos de fada.
A apresentação deles foi a mais formal
possível “Como vai?” e “É um prazer conhecê-la”. Muito além da cordialidade dos
seus doze anos. Mas, ao se encararem, ele viu. Os olhos daquela menina tinham
algo que ele não saberia dizer o que era, um sentimento obscuro. O mais perto
que chegava de reconhecer como sendo aquilo era a tristeza. Talvez, a mesma
tristeza que ele carregava por esses eventos tediosos. Ela era uma igual.
─ Milena, meu amor, por favor, mostre ao
Carlos Eduardo o seu piano. Ele me pareceu bastante interessado.
─ Pois não, mamãe. – A mulher sorriu e
os deixou a sós.
Milena abriu a tampa do piano com alguma
dificuldade e o chamou para sentar-se junto a ela no banquinho. A vontade de
correr os dedos pelas teclas brancas infantilmente o atacou, mas ele conteve o
instinto. Ela lhe dava uma aula sobre como a peça teria vindo da Áustria e
depois fora reformada para que pudesse enfim chegar às suas mãos delicadas.
─ Foi um presente dos meus pais de
aniversário. – Suspirou já cansada.
─ E você toca?
─ Minha mãe me obriga a praticar duas
horas por dia. – Ela disse acariciando uma tecla sem tirar som. A sinceridade da declaração o comoveu.
─ Sei como você se sente.
Conversaram sobre vários assuntos
naquela noite. Por educação, nenhum dos dois estava liberado para abandonar o
parceiro de mesma idade, ambos conheciam as regras. Para ele, aquilo fora
totalmente novo. Era ao mesmo tempo uma prisão e um refúgio. Os minutos
passaram sem contagem.
Chegando em casa, a mãe lhe ofereceu
abraços e elogios. Todas as senhoras da festa ficaram encantadas com a educação
das crianças. Ele e Milena tinham sido a sensação. Principalmente, quando a mãe
dela a obrigou a tocar algo no piano para os convidados e ele, para não
deixá-la sozinha na tarefa de impressionar, se oferecera para dançar com a
anfitriã para deleite dos presentes.
─ Kadu, hoje você foi tão gentil que
merece não apenas um pote de sorvete, mas dois... – Sua mãe tascava-lhe um
beijo na bochecha. Saíra do papel de mulher de sociedade e voltara a ser apenas a sua mãe.
─ Não, mãe. Hoje eu não faço questão de
sorvete. - Respondeu e foi para o quarto soltando a gravata devagar. Algo dentro dele o dizia que não merecia o sorvete, não fizera sacrifício nenhum.