Terminei de ler a primeira parte do livro Os cem melhores contos brasileiros do século. Olha, fiquei até surpresa porque eu até já tinha lido anteriormente muita coisa. Então, foi mais releitura do que leitura, mas foi ótimo mesmo assim.
Nessa parte, temos treze contos, alguns deles: A Nova Califórnia e O homem que sabia javanês de Lima Barreto, Gaetaninho de Alcântara Machado, Baleia de Graciliano Ramos e Negrinha de Monteiro Lobato.
Começo dizendo que essa parte da coletânea tem dois contos de Machado de Assis, eles estão lá para representar o grande contista que Machado foi, mas nenhuma das duas narrativas chega aos pés de O Alienista, A missa do galo ou de A cartomante. Mesmo assim, dá para sentir a ironia fina machadiana. Além disso, fazer um livro que tenha no título as palavras "melhor" e "brasileiro" se tratando de literatura e não colocar Machado é uma afronta.
Já Lima Barreto, que é um dos meus escritores favoritos, está muito bem representado. Os dois contos são maravilhosos. Adoro a maneira elegante com que Lima critica a sociedade vigente nas suas feridas mais escondidas e nas mais evidentes ao mesmo tempo. A Nova Califórnia é uma crítica severa à ganância humana, como ela se sobressai aos valores, até os valores mais inatacáveis como o respeito aos mortos. Este conto, para quem não sabe, inspirou a novela Fera Ferida da Globo. Já O homem que sabia javanês critica o orgulho e a vaidade acadêmica, a cultura pingente que é apenas adereço de uma classe social dominante, mas que não significa nada, que não faz sentido. O humor desse conto chega a ser agressivo, embora, quão atual isso pode ser, meu Deus, boa parte das pessoas sequer o perceba. Enfim, Lima Barreto é um herói.
Alcântara Machado eu já fui conhecer como professora de Literatura. Lá estava ele no livro didático com sua linguagem cinematográfica e seu retrato do cotidiano de uma São Paulo de imigrantes que não me é familiar. O Ceará, para quem não sabe, quase não teve emigração. Eu me encantei com Brás, Bexiga e Barra Funda e suas realidades tão conflitantes de grande metrópole em formação. Gaetaninho é um dos contos desse livro e fala sobre um menininho de descendência italiana que sonha em andar de automóvel, algo novo na cidade de São Paulo. Ele realiza o sonho tarde demais. Final triste e encantador.
Baleia é um conto que depois foi fazer parte do romance Vidas Secas de Graciliano Ramos. Não gosto de livro cuja temática é seca, mas Graciliano me pegou bem na veia. Esse livro é lindo inteiro. O ambiente, é claro, é extremamente desolador, entretanto, a tristeza vai na alma daquelas pessoas, a secura está na alma. Eles não sonham, eles não almejam, eles sequer falam. A dúvida é se aquilo ali é gente. Há uma animalização das pessoas e uma humanização do animal para diminuir essas fronteiras de propósito. Nesse conto, vemos a morte dessa cadela, Baleia, o mais humano entre os personagens, o único capaz de sonhar. Beleza extrema que só os grandes mestres proporcionam.
Terminando o post de hoje, Monteiro Lobato. Sou tão fã de Monteiro Lobato que acho uma estupidez essa revolta com relação a ele. Essa ditadura do politicamente correto chega a ofender. Monteiro Lobato não foi racista. Ele foi senhor de escravos. A lição número um de quem faz Humanas é "não podemos deslocar um homem do seu tempo". Como eu posso criticar com os olhos de hoje alguém que nasceu em 1880? Hipocrisia estúpida. A meu ver, afastar das crianças atuais as Reinações de Narizinho ou As caçadas de Pedrinho é um crime dos mais ordinários.
Bom, em todo caso, não estamos aqui para falar disso. A discussão de hoje é sobre o Montero Lobato para adultos. Ele é um crítico contumaz nessa seara. Dá para sentir o ácido. Urupês, conto que deu origem ao personagem popular Jeca Tatu é exemplo desta criticidade agressiva. O conto desta coletânea, Negrinha, entretanto, é até suave se comparado a Urupês. E, pasmem, para os padrões de hoje, é até politicamente correto. Nessa história, acompanhamos a vida de uma criança negra que não sabe nem o que é brincar. Sua vida é totalmente insignificante até que ela percebe que pode-se viver de outras formas e a impossibilidade de transformar a sua própria realidade acaba por matá-la. Triste, não é?
Continuo lendo por aqui. Anseio pelo que me espera nas próximas cem páginas. Mantenho vocês atualizados. Até.
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