Vini não teve cabeça para assistir à primeira
aula. Praticamente cambaleou até seu canto favorito no colégio. Uma árvore de
copa grande que ficava atrás do ginásio. Sentou abraçando as pernas e ficou se
torturando enquanto imaginava imagens felizes de André e Maria Lúcia. Ainda bem
que no Santa Inês não havia o hábito de colocar os alunos à força para dentro
das salas de aula. Poderia ficar ali o tempo que quisesse sem ser incomodado.
Vinte minutos se passaram antes que ele sequer
se mexesse. Então, sentiu uma lágrima dolorida rolar no seu rosto sem que ele
pudesse controlar.
– Vini? - uma sombra conhecida estava diante
dele. Era Ana Maria, com a cara péssima de quem chorara a noite inteira. - O
que foi que aconteceu, meu amor, por que você está chorando?
Ele nem levantou o rosto.
– Aconteceu alguma coisa com a sua mãe? Foi seu
avô?
Fez que não com a cabeça.
– Maria Lúcia?
– ...
Ana Maria até se esqueceu de que tinham brigado
algum dia. Imediatamente sentou ao lado dele o puxando para um abraço. Beijou
sua cabeça.
– Estão namorando, Ana. Ele ligou pra ela no
meio da noite pedindo e ela aceitou. Como é que eu vou aguentar uma coisa
dessas, me diz?
– Ah, Vini! Sei que não é consolo pra ninguém,
mas você já sabia de muito tempo que isso ia acabar acontecendo um dia.
– Eu não vou suportar.
– Vai sim. Vai porque eu vou te ajudar. Como eu
prometi que faria sempre.
– Justo você?
– Eu sim. Você sabe que eu te adoro. Tanto,
tanto, tanto que ontem eu pedi desculpas para Malu. Tenho outros motivos, mas o
principal é que não consigo ficar mais um dia sequer sem falar contigo, seu
bostinha. - Ainda encontrou lágrimas para chorar.
Vini sorriu. Ana Maria era uma amiga
imprescindível. Ainda bem que ela conseguiu encontrar o caminho de volta até
ele justamente quando ele mais precisava.
– Aposto que diante do namoro com o André, ela
nem te falou nada sobre isso, não foi?
– Não. Não falou. E depois, se falou, eu não ia
mesmo ouvir mais nada.
– Pois é. Menina legal essa Maria Lúcia. Meio
bobinha, não sabe escolher namorado, né? - sorriu para ele que retribuiu. - Mas
ninguém pode negar que tem um bom coração debaixo daquela racionalidade toda.
– O que foi que ela te disse?
– Que por ela estava tudo esquecido. Que não tinha
o menor interesse em me expulsar do colégio ou sujar minha ficha na polícia. Só
me aconselhou a contar tudo aos meus pais, e isso se eu quisesse aliviar o
coração, o meu, não o dela.
– E o que você fez?
– Fiz justamente isso. Estou de castigo até a maioridade.
Mas conversei com meus pais, coloquei para fora boa parte dessa angústia que eu
carregava, chorei horrores de remorso e de vergonha, levei um sermão gigantesco
e no final eles me abraçaram e me trataram da melhor forma possível.
– Que bom!
– Melhor agora que falei contigo. Mesmo ainda
não tendo oficialmente te pedido desculpas. Desculpas, amigo. - Abraçaram-se
com força. - Desculpa ter te feito sofrer. Desculpa.
– Teve uma parte boa...
– É. Fiquei sabendo que o senhor deu um jeito
de ir buscar Maluzinha lá nos interior das botas perdidas. E voltou todo
amiguinho. Trocando bilhete em sala de aula.
– Falei toda a verdade, Ana. Todinha. Ela quase
caiu pra trás.
– Pudera. E o que mais?
– Mais nada. Se o André não tivesse ido e
trocado uns beijos com ela, não tinha nem voltado pro colégio. Tive de me
contentar com uma frágil possibilidade de amizade. E o pior não te contei, tive
que ficar com a amiga para que ela não fosse fugir toda vez que me visse.
– Péssima ideia, Vini. Péssima. Sei lá! Não vou
com a cara dela. É essa tal de Rosana lá da sala, não é?
– Ela mesma.
– Cara, se a Rosana estiver apaixonada por
você, a Malu não vai te querer nunca. Do jeito que ela é certinha.
– E daí, Ana? Ela tá com o Deco. O sonho dela.
Nem que eu me pintasse de ouro ela olhava para mim.
– Resta saber, amore mio, por quanto tempo o
André vai querer saber dela. Um mês, dois... Convenhamos que não são estilos de
vida semelhantes.
– Sei não...
– Pois tem que saber. Olha pra mim, Vini. -
Segurou o rosto dele em direção ao seu. - Nós já discutimos isso uma porção de
vezes. A pior parte você já fez. Parou com aquele jeito mala de chamar atenção
e falou a verdade para a menina. Agora ela vai ficar com o André, descobrir que
ele está longe de ser perfeito como ela pensa, sofrer pra caramba. Nessa hora
você vai estar lá, entendeu?
– Eu não vou conseguir.
– Vai sim. Eu não vou deixar você desistir.
Você ama aquela menina e merece mais do que ninguém ficar com ela. Basta ter um
pouquinho de paciência, porque enquanto ela estiver cega por esse André que não
existe, não tem pra ninguém. Mas isso não vai durar muito. Prometo.
– Eu sei, Ana. Mas é difícil.
– Ah! Mas você é uma fortaleza.
– Não sou, não.
– É sim. Agora vamos para aula que o sinal já
vai tocar. - ela se levantou e ofereceu a mão para ajudá-lo a levantar - Para
efeito de justificativa, você não foi para a primeira aula porque ficou
conversando comigo. Jamais porque ficou abalado com esse namorico. Certo?
– Eu, Vini, abalado com o namoro de alguém. Eu
fico com quem eu quiser nessa escola. - sorriu.
– Isso mesmo, boçalzinho. Mas falando nisso, tá
na hora de colocar amiga Rosana para correr.
– Eu sei. Eu sei.
– E o que vai ser?
– O time de vôlei feminino.
– Ótima pedida. Só não faz elas brigarem entre
si, senão ninguém ganha uma partida no ENEC.
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