Hoje o assunto é polêmico.
Está circulando por aí um tema controverso: "Quem tem cacife para falar de Literatura?". A polêmica começou com a Tati Feltrin do Tiny little things. Eu poderia discorrer horas por esse tema. Primeiro, fazendo uma diferenciação entre fazer uma resenha de livro e falar de Literatura. Não estou dizendo aqui que só dá para aprender sobre Literatura nos bancos das universidades, longe de mim. Mas há certamente uma diferença entre dizer o que achou de Guernica de Picasso e reconhecer a influência desse quadro para as artes plásticas do início do século XX, assim como relacioná-lo com outros movimentos de vanguarda do mesmo período.
Depois da opinião de Tati, choveram blogs e vlogs para comentar uma revolta dela que é natural mesmo. Quem diz o que eu posso ou não posso ler? Quem determina o que é Literatura? Por que somente poucos escolhidos podem falar sobre esse assunto com propriedade? Deus sabe que enfrentar uma faculdade de Letras é questionar isso (que lá dentro eles chamam de cânone) diariamente. É colocar autores em caixinhas sem sequer lê-los: Paulo Coelho não presta, Clarice Lispector é uma deusa contemporânea. Por isso mesmo, adoro o universo do blog. Os jovens blogueiros/vlogueiros não estão nem aí para esse negócio de cânone, eles leem e dizem o que acham. É o máximo.
Porém, sei lá, às vezes, sinto que falta também um pouco de humildade. Humildade e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Vendo algumas respostas ao vídeo da Tati, vi muita revolta, muita energia. O adolescente é assim, né? Briguento. As pessoas reclamando que ninguém tem o direito de dizer o que você pode ou não pode ler. Uma coisa meio ditadura. Meio submissão. Gente, acho que na vida nem tudo é 50 tons de cinza.
Eu me lembro bem, quando eu tinha uns 12 para 13 anos, muito viciada em Mitologia Grega, peguei A Ilíada para ler da estante do meu pai. Versão integral em versos. O meu pai me disse: você não vai conseguir ler agora, mas tenta de novo daqui um tempo, tá? De fato, bastaram três páginas daquilo e eu estava dormindo. O tempo passou, fiz faculdade, voltei a encontrar esse livro e desceu até fácil. Na verdade, eu precisava de uma bagagem que não tinha na época. Duvido que meu pai estivesse duvidando das minhas capacidades, ele estava apenas me orientando.
Agora, que mal há se alguém diz para um adolescente que não é a hora ainda de ler Grande Sertão: Veredas? Que mal há se seu amigo tenta lhe explicar que para ler Memórias Póstumas de Brás Cubas é preciso compreender que aquele livro é uma crítica ferrenha ao Romantismo? Será que temos nas mãos tantas respostas que ninguém é mais capaz de lhe oferecer um tipo de orientação? Será que receber essa orientação é sempre se submeter de forma indigna? Não sei. Defendendo meus mestres, ainda não encontrei nenhum vlog que fosse capaz de colocar em mim os óculos cor-de-rosa que me possibilitaram ler Victor Hugo e Machado de Assis com outra perspectiva, uma perspectiva prazerosa.
Na faculdade, assisti a palestras que me deram esses óculos cor-de-rosa. Gente que eu vou admirar para sempre. Entendi lá o valor de um mestre. Entendi o valor do cânone. Sei que tem muita coisa errada. Até hoje, não gosto de ler Clarice. Mas aprendi a reconhecer o seu valor, respeito Clarice Lispector dentro daquilo que ela representa para a Literatura Brasileira. Assim com respeito os seus inúmeros fãs. O que nos leva a outra questão: o prazer.
A Literatura, como toda arte, está muito além do prazer. Às vezes, ela é desagradável, ela incomoda, ela te tira do canto. Para mim, discuti-la é passar por aí também. É ser desafiada por ela. Eu pergunto: cadê o desafio nos dias de hoje? Será que o desafio está apenas em ler um livro grosso? Em ler em inglês? Mesmo que o vocabulário e o enredo não te desafiem em nada?
Vejo esses blogs e vlogs e fico feliz com essa geração que lê, que participa, que comenta. Mas, por outro lado, me incomoda o fato de que todos os blogs e vlogs falam praticamente dos mesmos livros. Lançamentos mandados por editoras. Procure uma resenha de A culpa é das estrelas que você vai encontrar milhares, mas cadê alguém que tenha lido, sei lá, O médico e o monstro. Será que todo mundo se interessou ao mesmo tempo por John Green? Será que O médico e o monstro perdeu o encanto de vez?
O mercado editorial, gente, é um mercado como outro qualquer: visa o lucro. E os blogs são uma ferramenta importante demais nesse processo. Você, que recebe seus livros na sua caixa postal, deveria estar se preocupando mesmo com essa pergunta: Quem é que diz o que eu devo ou não devo ler? Mas não porque alguém te diz que você não tem capacidade para ler Decameron. Pense nisso, tá?
Digo isso porque acho que estamos vivendo a maldição do Jovem Adulto (Young Adult). Vejo blogs (alguns muito bons que eu acompanho) cujo os donos explicitam que só leem essa categoria. Que não suportam o cânone. Aí eu me pergunto: como pode? Será que essas centenas de anos de tradição escrita não trouxeram nada capaz de te seduzir? Ou será que é você que, igual criança birrenta, se recusa a experimentar?
Olha, a produção literária para essa faixa etária é vasta, principalmente a estrangeira. Se depender das editoras, você jamais vai dar um passinho para além disso. E, posso te garantir, não como opressor, mas como mestre, que em termos de experiência com o universo literário: é muito pouco! Não deixe que a sua maior experiência tenha sido Harry Potter (amo JK de paixão, mas ela não é a única) ou As Crônicas de Nárnia ou Jogos Vorazes. Tem todo um universo lá fora esperando pela gente.
Não me leve a mal. A máscara de professora pode ser bem pesada de vez em quando. Eu também adoro literatura YA, mas é preciso ter equilíbrio e experimentar sempre. Conheço muito bem o papel da literatura como formação de leitores críticos. Mas, aos vinte e poucos anos, gente, você já deveria ser esse leitor crítico. Saía da barra da saia das fantasias, distopias e da Meg Cabot e se aventure. A primeira experiência adulta com a linguagem vale a pena. Prometo. E se não conseguir, tente de novo... Cair e levantar não faz mal. É aprendizado.
E aí, eu termino perguntando: será que realmente não faltam mais mestres? Não daqueles com diploma de mestrado, mas daqueles que merecem o seu respeito como educadores? Uma pessoa para te guiar por um caminho que ele já conhece melhor. Como acontece com o Charlie de As vantagens de ser invisível? Será que não está faltando justamente uma pessoa dessas que diga (incentive) o que você deve ou não deve ler?
Esse recado, é lógico, não vai para a Tati Feltrin. Vai para você, adolescente, meu aluno ou não, para que você canalize melhor a sua indignação.
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