Era uma vez um menino bonito que gostava
de vídeo game. Na verdade, ele gostava de quase todo tipo de jogo. Seus
olhinhos infantis brilhavam nas disputas de Banco Imobiliário e nem piscavam
nos lances de dados do War. Logo tornou-se um exímio jogador. Os amigos sempre
o queriam em suas equipes. Exercia uma liderança natural nas brincadeiras e,
mesmo com sua cabeça de criança, era um estrategista nato. O nome desse menino
era André.
Na exata medida em que foi crescendo,
foi percebendo o que o atraía tanto nos jogos. Há quem goste de jogar por causa
do poder. Há quem goste de vencer sempre. Não era o caso do menino, o que o
atraía no jogo era o jogo. Era conhecer as regras e manipulá-las ao seu favor.
Era mexer com as pessoas, era usar o potencial de cada um para conseguir o seu
objetivo. Enfim, André nasceu político.
Ele nunca deixou de jogar. Mas, no
começo da adolescência, como um super-herói que aprende a voar, descobriu que
poderia usar os seus poderes para atividades muito mais complexas do que
joguinhos de tabuleiro. André descobriu que se relacionar com o sexo oposto é o
jogo mais complicado de todos. Por isso mesmo, ele adorou a brincadeira.
As meninas tinham regras demais: pagar a
conta, reparar no cabelo, nunca chamar de gorda, telefonar no dia seguinte, ter
pegada. Percebeu logo que a maioria dessas regras sequer funcionava. Os outros
garotos não entendiam, ele achava que aquilo tornava o jogo mais dinâmico e
sedutor. Observou, traçou estratégias, organizou seus exércitos.
Tinha a seu favor o fato de que não era
feio, aliás, podia se considerar um carinha bem bonito até. Ele sempre foi bom
em fazer julgamentos e a humildade nesse momento não lhe seria favorável. Pelo
que já entendia das mulheres, humildade era uma das coisas que não funcionava.
Em compensação, autoconfiança era um ótimo trunfo. Assim como a educação, o
sorriso e a sensibilidade.
Por tudo isso, no auge de seus catorze
anos, André estava pronto para entrar no mundo das meninas pela porta da
frente. Estava pronto para fazer conquistas no território do amor. Estava
pronto para se tornar o novo galã do colégio.
Estaria tudo ótimo, não fosse por
Mariana.
Mariana era a aleatoriedade em pessoa. Se
a maioria das regras para as mulheres não funcionava, Mariana simplesmente não
tinha regra nenhuma. Às vezes, argumentava até a exaustão. Em outros casos, chorava,
esperneava, mordia e chutava. E ele simplesmente não compreendia. Tentava
encontrar o padrão nas sardas do seu rosto. Na sua maneira de agir. Tentava
usar aquela força toda a seu favor. Era tudo esforço inútil. Mariana, na sua
meninice, era incompreensível.
Mariana era a amiga de infância. Melhor
amiga da irmã dele, mas com quem ele adorava brincar e implicar com tudo e
sobre tudo. Mais nova que ele três anos, ainda assim, davam-se muito bem. Vini
era seu grande companheiro, mas Mariana era a sua pessoa favorita no mundo.
Tinham tudo em comum, gostavam dos mesmos livros, dos mesmos desenhos, dos
mesmos personagens e até do mesmo tipo de música e de comida. Viveram tantas coisas
juntos. E era só ela, naquela imprevisibilidade toda dela, que era capaz de dar
sentido a tudo que faziam. A primeira vez que comeram bolo de cenoura com
cobertura de chocolate. A primeira vez que jogaram Playstation. A primeira vez
que leram a série Harry Potter.
Portanto, se ele ia se tornar um rapaz,
que o rito de passagem fosse com ela. O primeiro beijo era muito importante,
muito definitivo. O seu primeiro beijo teria de ser de Mariana. Mas não seria
fácil conseguir isso, porque ele era quase um rapaz e ela era de fato uma
menina. André racionalizava como sempre, gerenciava estratégias, escolhia os
melhores planos e não chegava à conclusão nenhuma. Afinal, seria justo estragar
a inocência dela? Ela que nem ligava para garotos ainda.
A sociedade machista já lhe cobrava uma
posição. Todos os seus colegas diziam que beijavam, embora soubesse que boa
parte deles mentia, sabia que estava na hora. As meninas davam em cima dele. Estava
ficando sem desculpas. Foi então que ele percebeu que a sua irmã, da mesma
idade de Mariana, andava suspirando e piscando os olhinhos para o seu melhor
amigo. Agradeceu a Deus o fato de que as meninas amadurecem antes. A hora
chegara.
Organizar o jogo de Pera, Uva, Maçã ou
Salada Mista foi a parte mais fácil. Bastou uma sugestão aqui. Uma indicação
acolá. Seus amigos eram adolescentes no auge da ebulição dos hormônios. Eles adoraram
a ideia. Proibir a irmã de participar foi o golpe de mestre. Milena insistiu, perturbou,
encheu o saco e convenceu Mariana a participar junto com ela, a presença da
amiga diminuía sua chance de levar uma bronca. Verdade que seus amigos adoraram
que mais meninas participassem da brincadeira. Principalmente, a sua irmã, tão
linda que já fazia os olhares masculinos virarem quando ela passava.
A parte difícil do processo foi
controlar o nervosismo. Era um cara equilibrado, um estrategista, mas era
complicado, daria seu primeiro beijo, ora bolas. A cada rodada seu coração
acelerava, na sua vez, estava completamente disparado. Inventou uma desculpa
para Vini. Em geral, não precisava trapacear, mas esse era um caso especial. Não
podia perder essa chance. Vinícios era um grande amigo, não discutiu as
instruções e quando ele apertou forte, sem controlar a emoção, André disse o
nome dela em alto e bom som: Mariana.
Os segundos em que se olharam antes do
beijo com tanto medo, com tanto nervosismo, com tanta insegurança, vão ficar
para sempre impressos na sua alma. Falou alguma besteira para Ana Maria, algo
sobre um cronômetro. Fazia parte da brincadeira e ele não queria demonstrar que
aquilo era tão mais importante do que um dos jogos que costumavam jogar, mas
era. Depois, ele tomou a iniciativa e os lábios se tocaram.
Totalmente eletrizante. André ainda não
sabia o que era aquilo. Talvez, esteja procurando saber até agora. Por menos de
um segundo, pensou que ela fosse desistir. Provavelmente, seria a atitude mais
previsível. Ela era tão menina. Menina sim, mas previsível não. Depois daquele
instante, Mariana correspondeu ao beijo. Treze minutos inesquecíveis. Uma
lembrança para a vida inteira.
Ele estava certo mais uma vez, mais uma
jogada de mestre. E agora tinha a certeza absoluta disso, seu primeiro beijo só
poderia ter sido com ela mesmo. Pois era somente ela que dava sentido a
qualquer coisa que experimentavam juntos.