Acordou no outro
dia muito cedo e bem disposta. Sorriu para a mãe mostrando o resultado da
visita ao dentista na cozinha na hora do café, mal cumprimentou um Antonio
sonolento saindo do quarto seguindo a voz dela, jogou-lhe um beijo apenas e ele
nem teve tempo de falar aspettami[1]
sem que Malu tivesse descido correndo as escadas.
Pegou a
bicicleta e foi passear perto da praia, sem medo de assalto ou de acidente de
carro, fatores que a impediriam antes.
Vinícios e sua
turma já estavam lá batendo o racha no lugar de sempre. Ela resolveu testar sua
convicção e parou a bicicleta ali mesmo. Ficou assistindo ao jogo e esperando o
ataque.
Gustavo tinha a
tarefa difícil de tirar a bola dos pés de Vinícios. Malu nunca tinha reparado
em como ele jogava bem, a bola simplesmente lhe obedecia, praticamente sentia
atração pelos pés de Vini, mesmo no complexo terreno da praia, ele driblava e
corria com a bola sempre ali, dominada. Gustavo era o último antes das traves
improvisadas. Inevitável. Gol.
Vini correu sem
camisa para cumprimentar seus companheiros de time e a viu no calçadão batendo
palmas. Sorriu meio sem saber o que dizer ou fazer, ela sorriu de volta. E, ao
contrário do que ele esperava, Malu não subiu na bicicleta e saiu da frente de
suas vistas o mais rápido que pôde, ficou ali paradinha, encostada na
bicicleta, com os braços cruzado, assistindo ao jogo.
Ele tentou se
concentrar novamente na partida, mas a todo instante olhava para o calçadão.
Até que perdeu duas bolas perfeitas seguidas, desistiu do jogo e pediu para
sair.
Deu um mergulho
no mar na tentativa de organizar os pensamentos. O que ela queria ali? Onde
estava o bonitão italiano? Será que queria conversar?
O que quer que
fosse, desta vez ele ia se controlar para não estragar aquele primeiro sorriso
trocado em tantos anos.
– Oi. – disse
chegando perto dela com uma expressão desconfiada.
– Oi, Vinícios.
Bonito gol.
– Valeu.
Como ela não
falasse, nem se mexesse que não fosse para tirar o cabelo do rosto, ele ficou
se sentindo um pouco estúpido parado ali na frente.
– E então, esperando
alguém? – sacudiu o cabelo molhado.
– Na verdade, tô
sim. – disse decidida, estava preparada.
– O bonitão italiano de quem todas as meninas
do colégio estão falando nessas férias e que não sai do seu pé... O que você
fez com ele? Macumba? – perdeu um pouco da compostura e já estava a um passo de
estragar tudo, controlou-se.
– Não. – olhou
diretamente nos olhos dele – Estava esperando você tentar me humilhar de alguma
forma porque hoje estou disposta a me defender... – inacreditavelmente sorriu e
ele percebeu que ela tinha tirado o aparelho e não conteve o sorriso também,
ela estava mais linda do que jamais esteve – Acontece que ontem percebi que você é o menor dos meus problemas... –
uma breve pausa para respirar e ela continuou com firmeza – E não quero começar
mais um ano com probleminhas deste tipo.
– Sério? –
gostava do ar contestador naqueles olhos castanhos mirando os seus. – Então, o
que vai fazer? Cadê sua metralhadora para me exterminar...
– Que é isso,
Vinícios! Não preciso de metralhadora, não, umas boas chineladas te colocariam
no teu lugar...
– Aproveite meu
bom humor, então, e dê logo essas chineladas... – virou o bumbum para o lado
dela que não pôde deixar de rir.
– Deixe de
gracinhas. – fechou a cara – Eu só quero saber o porquê? Por que você faz isso
comigo se com as outras pessoas você é razoavelmente legal?
– Obrigado pelo
“razoavelmente legal”...
– Responde! –
nem ela acreditou no tom autoritário com que deu esta ordem – Por favor... –
amenizou.
Ele pensou nas
mil respostas que poderia dar a esta pergunta, incluindo toda a verdade, mas
diante do olhar inquisidor da garota parada a sua frente, agindo de um jeito
que ele não acreditava mais que ela fosse capaz de agir, apenas disse:
– Porque você
nunca revidou... Nunca disse que não gostava. – levantou os ombros
displicentemente.
Malu esperava
uma conversa com traumas do passado, ou até mesmo que ele entrasse naquela de
ofendê-la como sempre, jamais uma resposta tão idiota, insistiu:
– Anos de
ofensa, simplesmente porque eu não disse que não gostava... É isso? Só isso que
você tem a me dizer...
– Bem... Não
posso dizer que depois não acabou virando mais um hábito... – por dentro ele
era um turbilhão de emoções, porém, falava com tranquilidade.
– Sendo assim,
Vinícios, gostaria de informá-lo de que não gosto nem um pouco das suas
brincadeiras estúpidas e estou pedindo a você que pare com elas. Seria pedir
demais?
– Acho justo. -
confirmava com a cabeça - Vou considerar sua proposta. Mas o que eu ganho com
isso?
– E o que você
deveria ganhar?
– Ah! Muita
coisa. Uma vez que já espero por este interrogatório há tantos anos... – ele
foi se aproximando dela, encarando-a nos olhos, questionando se aquela era a
mudança que esperava.
Malu não desviou
o olhar, mas a proximidade do corpo de Vini, sem camisa, todo molhado, estava
tornando complicado para ela controlar o medo que sentia dele. Quanto mais
porque em todo esse tempo, ele nunca se aproximara dela tanto, nem assim...
– Olá, gente.
André acabara de
chegar e se espreguiçava erguendo os braços compridos ao lado da bicicleta de
Malu. Estava com óculos escuros e quando os tirou ficou bem óbvio pela cara de
ressaca porque não chegara a tempo para o racha da manhã.
Vini passou a
mão pelos cabelos. Jamais detestou tanto rever o melhor amigo. Já Malu pensou
consigo como André sabia ser apropriado, como se tivesse um instinto para
protegê-la.
– Oi, André.
– Ah! Tirou o
aparelho, né? – bocejou e no meio de um sorriso falou na maior tranquilidade –
Ficou ainda mais bonita.
– Obrigada. –
incrível como aquele rapaz sabia ser observador e gentil naturalmente, motivos
que a faziam amá-lo.
No pensamento de
Maria Lúcia, André era um rapaz rico que bem poderia ser um playboyzinho
enfadonho, mas, na verdade, comportava-se muito bem.
Não era um bom
aluno definitivamente, mas quem liga para isto. Tinha várias dificuldades,
principalmente em Biologia e Matemática. No fim do ano, Malu acabava sendo
chamada para dar umas aulas particulares. Adorava esta oportunidade de ficar
junto dele.
Ele gostava de
baladas também como todo jovem. E de mulheres. Malu pensava que, de fato, as
mulheres é que gostavam dele. Também, como não gostar?
– E, aí, Malu,
vai para Festa de Réveillon lá de casa? Devia ir... Meus pais adoram esta
festa. Gastam rios de dinheiro pra todo mundo se divertir. Vai a maior galera
do Santa Inês...
– Não sei,
André. Minha mãe casa nesse dia.
– Pô! Legal.
Nunca ouvi falar em casamento nesse dia... - disse casualmente - Mesmo assim,
querendo aparecer por lá depois da meia-noite será muito bem-vinda.
– Talvez...
Talvez... – ela media dentro de si quanto de coragem acumulara a ponto de
encarar uma festa como aquela.
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