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segunda-feira, 13 de junho de 2016

Massacre em Orlando


Das várias coisas que não compreendo na vida, uma sempre me chamou atenção pela sua proximidade com a violência: intolerância. Realmente não consigo entender como o fato de não gostar de uma atitude, de não achar correto, de não tolerar ou permitir que se pratique leve à condição de tornar um ser humano capaz de se levantar e sair de casa disposto a bater, a matar e a exterminar alguém por causa disso.

Veja bem, todos estamos sujeitos à intolerância. Eu, por exemplo, acho a plataforma política de Bolsonaro um retrocesso. Penso que seja baseada na ignorância, penso que se aproveita de uma pensamento de ódio que se estabelece principalmente em pessoas de alma primitiva e penso que desvalida por total a noção de cidadão para os direitos civis. Fico realmente desesperançosa com o mundo ao me deparar com jovens, nascidos neste século já, que ainda defendem ideias assim. Tenho até raiva dessa gente e perco a vontade de dialogar. O que é errado, pois penso que precisam de contato com a luz do conhecimento.

Imagino, creio eu, que seja um sentimento similar com quem desaprova diferentes formas de sexualidade. A sensação de coisa errada enerva. Dá nojo. Constrange. Sei bem disso, pois é como me sinto quando vejo um aluno meu, mesmo depois das minhas aulas e das dos meus colegas que fazem um trabalho de conscientização da necessidade do respeito à diferença, defender a plataforma de Bolsonaro. A sensação é a de que esse menino não aprendeu absolutamente nada. Ouvidos surdos e mente vazia. E tem ainda os que usam argumentos supostamente econômicos e políticos para defender esse senhor que está há anos sentado naquelas cadeiras de poder e nunca fez nada de proveitoso para a nação.

Usando um pouco de empatia, podemos imaginar que é assim que se sente alguém que vê um homossexualismo como doença. Ninguém quer que seu filho tenha tuberculose, por que vai querer que seja gay? Assim se sente a pessoa que defende especificamente certos versículos do velho testamento da bíblia. Embora não veja nada errado em comer uma travessa de camarões, essas pessoas consideram a viadagem um insulto ao seu Deus punitivo da parte mais antiga da sua religião (eu, particularmente, se vamos falar de literatura, gosto mais daquele cara que diz: perdoai os nossos pecados, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, mas é questão de gosto). E assim se sentem também os estudiosos da natureza biológica humana, aqueles que entendem que o sexo (e por consequência o amor) são meramente ferramentas reprodutivas (deve ser chato pra caramba ser assim). Para esses, homem com homem não faz sentido, pois não gera. Certamente que gente assim não assiste a canais como National Geographic, Discovery ou Mundo Animal, ou já teria percebido que várias espécies com leões e golfinhos também fazem sexo entre iguais. O que leva o argumento da naturalidade da coisa pelo ralo. Porém, não pretendo execrar mais ainda gente com conhecimento seletivo...

A questão é que, mesmo tendo muita raiva de eleitores do Bolsonaro, mesmo dizendo entre meu círculo de amizades que os acho errados e idiotas, eu não os discrimino naquilo que me compete na função cidadã. Exemplos: escuto sua baboseira preconceituosa em sala de aula como se fosse relevante (ainda que eu contra-argumente), não corrijo a sua prova de maneira diferente, não entro nos seus perfis em redes sociais para esculhambá-los, não aponto nem grito com eles no meio da rua, não bato, não insulto, não difamo, não questiono o seu acesso ao voto e, principalmente, se eu não gosto do Bolsonaro: eu não voto no Bolsonaro. 

A chave é a palavra tolerância. Eu os tolero. Ponto.

É difícil. Incomoda. Chega a me dar náuseas, mas tolero. E não me vem jamais essa vontade de sair por aí distribuindo violência. Consertando o mundo com palavras ofensivas. Com punhos. Com balas. E eu penso que isso deveria ser natural à condição humana, uma vez que é um instinto bestial que não tenho e eu nem sou uma pessoa das mais evoluídas...

Infelizmente, não é o que acontece. A boate Pulse em Orlando é só mais um caso dentre milhares que ocorrem todos os dias. O pai que mata o menino porque ele gosta de lavar louça, a travesti encontrada no matagal, as pessoas com barras de ferro na mão atingindo homossexuais em plena Avenida Paulista, a violência doméstica, as sombras à espreita nos corredores paralelos da parada gay, uma arma automática em um ambiente fechado.

Vão colocar a culpa na religião islâmica, vão dizer que o problema é promiscuidade atribuída aos relacionamentos homossexuais, afinal, não aconteceria se não estivessem na balada, não aconteceria se o cara não fosse um fundamentalista muçulmano. Besteira. Acontece em todo canto. Toda hora. Por todo e qualquer motivo. Morre a mona espalhafatosa montada na boate. E morre o bofe discreto que nem dá pinta. Morrem porque alguém acha que eles têm de morrer. Morrem porque alguém acha que é certo matar. Morrem porque alguém é incapaz de tolerar, incapaz de perdoar no outro o que ele acha que é errado.

Vou terminar meu texto com outra imagem religiosa, já que é esse o argumento mais forte para condenar meus irmãos gay, e também porque não conheço religião no mundo que pregue o ódio e a violência como forma de chegar ao divino. Portanto, eu gostaria de lembrar a todos que Maria recebeu seu filho morto nos braços, da mesma maneira como as mães de vários rapazes que estavam naquela boate, tenho certeza que essas mães achavam que seus filhos, a quem amaram desde o berço totalmente indiferentes às escolhas que fariam ou aos caminhos que tomariam na vida, não mereciam o destino que tiveram.

Assim sendo, respeito sua crença e sua forma de pensar. Acho que você tem todo direito de achar errado. De condenar. De achar feio. De pensar que aquela pessoa vai para o inferno. Só não aceito, e nunca vou aceitar, que pensamentos assim se transformem em atitudes de ódio. Ou que a dor seja a nossa única forma de diálogo.

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