Chegou a hora de falar sobre A menina que roubava livros de Markus Zusak.
Como todo mundo deve saber, esse livro é um grande campeão de vendas. Para mim, um dos fatores que o levaram a essa conquista é o assunto. O interesse pela Alemanha Nazista parece ser fonte inesgotável de dinheiro. Sucessos como O pianista e O menino de pijama listrado surgirão de tempos em tempos para reavivar essa ferida aberta na humanidade.
Por mim, se isso servir para evitar que mais coisas hediondas como o Holocausto aconteçam, tá valendo. Porém, infelizmente, acho que o interesse por esse assunto tem muito mais a ver com o gosto do ser humano pela desgraça do que como um antídoto, uma vacina preventiva. Afinal, nas escolas, ainda vemos a maldade humana se proliferando nas suas piores versões, adolescentes gordos sendo massacrados por colegas, escolhas religiosas valendo mais que qualidades morais e o homossexualismo sendo tratado como uma criação do demônio. E esse é o futuro da nação. Então, só posso crer que, se parirmos outro Adolf Hitler, todas as outras condições ainda estão aí para um novo Holocausto.
No livro, vamos acompanhar a história triste de uma órfã (claro que ela é órfã, se não fosse não seria triste, essa é a premissa básica dos livros dramáticos, criança órfã. Embora, nesse caso, a mãe biológica esteja apenas desaparecida e o pai seja desconhecido). Liesel é adotada por um casal pobre de Munique. Logo ela se afeiçoa ao pai adotivo que a ensina a ler. A menina demonstra um amor as palavras, mas tem extrema dificuldade com elas. Na sua vida difícil de alemã pobre, alguns de seus maiores momentos de felicidade são compreendendo as palavras. Então, ela rouba livros.
Como eu já disse anteriormente, a história se transforma numa grande salada de acontecimentos tristes para deixar a narrativa profunda, todos estes momentos acompanhados com frases de efeito da narradora. A pobreza da família vizinha com muitos filhos, a outra vizinha que tem seus dois filhos na guerra, bombardeios ocasionais, um judeu que vai se esconder no porão, o pai adotivo que vai para a guerra. Tristeza, tristeza, tristeza, morte, morte e A Morte ( a narradora da história é a Dona Morte com sua roupinha preta de frio). E vez ou outra uma cena de encantamento de Liesel diante das palavras e da vida.
Algumas das cenas são até bonitas. O melhor amigo correndo todo cheio de carvão querendo ser Jesse Owens. Tipo: dedão pra cima. Porém, na maior parte do tempo, é só apelativo mesmo. A cena do ursinho de pelúcia para o piloto inglês, por exemplo é extremamente desnecessária.
E tem a Dona Morte também, essa faladeira desocupada, com suas frases de efeito. Os seres humanos me assombram. Tenho certeza de que fica ótimo para compartilhar no Facebook. Soa inteligente.
Não sei ainda se gostei dessa narradora. Com certeza, é um ponto de vista interessante, mas a sua presença não é tão sensacionalmente cult e profunda como o autor faz questão de frisar a cada manifestação dessa personagem no enredo. Sério, gente, tenho certeza de que a Morte tem visto coisas muito feias e muito gloriosas por aí para se encantar assim com a história de Liesel a ponto de contá-la para o mundo.
Mencionei antes que este é um livro para quem não lê literatura. Isso é fato! Há uma forçação de barra para que a narrativa seja comovente e que traga a profundidade que o leitor do século XXI precisa para a sua vida. Nós somos soterrados por fatos tristes e escabrosos para podermos refletir. Bem, nos grandes autores, nos grandes clássicos, esse esforço não é necessário. Clarice Lispector, que como eu mencionei anteriormente, nem é das minhas favoritas, consegue fazer uma revolução na sua cabeça com apenas um esbarrão entre mãe e filha dentro de um táxi. Não precisando de bombardeios em vilas pobres da Alemanha para nos fazer pensar sobre o valor da vida.
Porém, este livro não é de todo ruim. Gostei de ler. Eu me apeguei aos personagens mesmo sabendo que nesse cenário o final triste era inevitável pelo menos para alguns deles. Os pais adotivos de Liesel são realmente maravilhos, o tipo de gente que cruza todo dia com você, gente que faz valer pertencer a raça humana.
De modo que, em geral, considero uma história mediana de narrativa meio metida a besta (vários parágrafos de duas palavras para dar ênfase e frases de efeito que ficam ótimas no facebook), mesmo assim, penso que seja um bom livro para ler no avião, por exemplo. Ou para você, jovem leitor, que ainda não entrou mesmo na leitura de uma literatura adulta de qualidade. Quem sabe A menina que roubava livros não signifique esse momento de transição? Aquilo entre a necessidade de algo mais profundo do que Percy Jackson e a falta de coragem para encarar Érico Veríssimo...
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