─ Nem pensar! – Ana Maria balançava a
cabeça. – Pode ficar aqui do meu ladinho. Ou então vá dançar de novo com a
Milena que ela está precisando.
─ Que é isso, Ana? – Vinícios insistia.
– Você já deu uma olhada na garota? É linda demais!
─ Linda sim. Parece que nem pisa no chão
de tanta beleza, mas tem o quê? Dezesseis anos? Se é que tem tudo isso...
─ E daí? Você não viu? Ela me deu mole a
festa inteira. – A garota em questão, uma morenaça do segundo ano, passava
desfilando em frente à mesa a todo momento. Lançava sorrisos avassaladores a
cada passagem. Vini já estava perdendo a concentração.
─ Daí que pedofilia é crime. Daí que
você tem vinte anos, não é mais um moleque inconsequente. Daí que você é como
se fosse professor desta instituição e precisa impor respeito. Daí que a menina
vai se apaixonar e não vai largar do seu pé. Daí que ela vai fazer a maior
confusão nas suas redes sociais. Daí que você vai se arrepender amargamente.
Daí...
─ Acho que já foi o suficiente, voz da
razão. – Mesmo empolgado com a paquera rolando solta. Com os bilhetinhos
convidando para ir para um lugar mais reservado. Com os olhares de arrancar
pedaço que algumas garotas davam quando passavam por ele, Vini tentava se
convencer que era melhor ficar mesmo quieto no seu canto.
─ Gatinho, vai por mim. – Ana apoiara a
cabeça do amigo no seu ombro. – Não adianta resolver um problema com outro
maior ainda. Quer brincar? Já está pronto para descer para o play? Então chame
alguém do seu tamanho. Nada de tomar o brinquedo das criancinhas menores, ok?
─ Detesto quando você me psicologiza...
─ Todos nós precisamos de algum
psicologismo de vez em quando.
─ É mesmo, fräulein Freud? – Vini a
encarou com aquele seu olhar de desafio. – E a senhorita? Sobra um pouco de
psicologismo para você?
─ Claro. – Respondeu com firmeza. – Faço
análise duas vezes por semana, se quer mesmo saber...
─ E já descobriu o porquê de ninguém
parecer digno do seu coração?
─ Não é bem assim. – Meio que fechou a
cara. – Você sabe que eu tento. É que ninguém me ama. Ninguém me quer. –
Levantou os ombros. Fez beicinho. – Não tenho culpa de não ter nascido com o
charme e os olhos verdes dos Leal.
─ Até parece, Ana Maria. Você é que
nunca insiste. Nunca tenta duas vezes.
─ Como não?
─ Nunca, Ana. Nem com o Antonio você
tentou.
Ele a pegou pela palavra. No verão do
terceiro ano, Ana ficara com o filho do padrasto de Maria Lúcia. Não deu certo
por vários motivos, muitos dos quais Vini preferiria esquecer. Mas o fato é que
no ano seguinte, Antonio passou novamente as férias no Brasil e a amiga, apesar
da aparente empolgação inicial, não teceu sequer um comentário sobre a presença
dele. Depois da festa de formatura deles, onde Antonio apareceu de braços dados
com Malu, ignorou o metro e noventa do rapaz. Falante como costuma ser, ficou
incapaz de dizer um oi.
─ Sabe, Nana, até os meus olhos verdes
levam um fora de vez em quando... – Ele a encarava bem sério. – Eu nem preciso
dizer. Você sabe muito bem disso. – Cruzou os braços. – Isso não significa que
eu não vá lá e insista.
─ Sim... – Ela ficou calada um instante,
depois retomou a conversa. – E esse palavreado todo é para chegar aonde?
─ Não existe ninguém no mundo que te
interesse, Ana? – Vini tinha um olhar de censura. – Queria, ao menos uma vez na
vida, ser o cara que te dá conselhos amorosos. Ao invés de recebê-los sempre...
─ E você vem querer ter essa DR numa
festa de ensino médio? – Ana fez uma cara de total incredulidade. – Eu não
gostava de pivete nem quando eu era piveta, vou gostar agora?
─ E o Pedro?
Pedro. Irmão mais velho de Mariana. A
simples menção ao nome dele fez Ana Maria estremecer. Era um gato. Ela sempre
achou. Várias vezes durante a festa, seu olhar fugiu para procurá-lo. Mas o
cara nem sabia que ela existia. Conversava com outros professores. Era como se
nem tivesse feito parte da turma.
Cinco anos mais velho que André, Pedro
participava poucas vezes das brincadeiras de infância. Tanto por não se
interessar por uma turminha de moleques bagunceira fazendo estardalhaço na
piscina, quanto porque nunca foi mesmo dado a travessuras. Gostava de ler. Era
calado. Ficava na dele. Só intercedia nas confusões que Mariana aprontava. E
sempre eram muitas.
Ana Maria conviveu pouco com ele.
Encontravam-se em ocasiões bem específicas, como os aniversários de Milena ou
André. Na escola, ele sempre estudava em outro prédio por conta da idade.
Enquanto estavam no fundamental, ele já estava no médio. Quase nunca se esbarravam.
Mas, ainda assim, Ana Maria o achava o máximo.
Primeiro, porque ele era mais velho. Ela
adorava essa coisa dele de ser maduro. Dava uma ideia de profundidade que as
disputas de Pokémon dos seus amigos não tinham. Além disso, Pedro sempre foi
bonito. Não uma beleza chamativa, mas um tipo de estranheza exótica e
convidativa, como a de Mariana, um olho meio rasgado, de cílios grossos, um
queixo masculino, um jeito de andar seguro de si, enfim, era difícil perceber o
que tinha de especial, mas era óbvio que havia algo de especial. Pedro não era
um cara qualquer.
Sem falar que, do ponto de vista
psicológico, o rapaz era um poço inesgotável de problemas. Freud demais para
uma alma psicanalítica resistir. Estava tudo ali junto e misturado. Complexo de
Édipo. Disputa com o pai. Perda prematura da mãe. A necessidade de viver a vida
intensamente. Ana precisava se conter para não ser levada de vez por esse
turbilhão de clichês de psicologismo.
─ Ah! – Vini sorria. – Parece que
acertamos o alvo. Existe um interessezinho pelo Pedro...
─ Nem vem. – Levantou o dedo e colocou
na cara dele com autoridade. – No casamento da sua mãe, tentei várias vezes me
aproximar. Ele me cortou como se eu fosse um tender de natal.
─ Aí você também nem insistiu...
─ Não. Nem vou. Vou manter a minha
dignidade e meu amor-próprio.
─ Isso não leva ninguém a nada. – Vini
foi se levantando com um sorriso malicioso nos lábios. Ambos sabiam o que ele
tramava.
─ Vinícios Matos Leal, não ouse.
Era tarde. Vini já estava cochichando
alguma coisa no pé do ouvido de André. Ele lançava olhares divertidos para ela.
Ana Maria nem se deu ao trabalho de ficar com vergonha. A relação dela com Vini
vencera esses pormenores havia muito tempo. Apenas foi se sentar ao lado de
Milena, sem dar muita trela para o amigo.
Sabia que Vini estava procurando uma
forma de se divertir naquela noite. Talvez, relembrar os velhos tempos de
traquinagem com André. Ela era o alvo da vez. Entretanto, tinha certeza de que
a brincadeira acabaria quando chegasse em Pedro. Ele era sério demais para dar
trela para aqueles dois.
***
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