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quarta-feira, 11 de maio de 2016

O livro sem figuras

A sugestão de leitura de hoje é um livro incrível, extremamente criativo e que chamou muito a atenção da mídia em 2015 quando foi lançado. Trata-se do maravilhoso O Livro Sem Figuras de BJ Novak.

Novak é ator, participou de Bastardos Inglórios e da série The Office, onde ele também  escreveu o roteiro e produziu. Nesse livro, ele inova com um material para ser lido (a criança lendo não tem tanta graça assim) que não tem figuras.

Na medida em que vamos crescendo enquanto leitores, as ilustrações vão diminuindo dos livros. em livros para a faixa de doze anos, por exemplo, no muito, tem uma imagem na abertura de cada capítulo. As imagens funcionam como muletas para a imaginação. Dando forma para algo que, às vezes, é difícil de pensar. Dessa maneira, o leitor, quanto mais experiente, menos precisa delas.

Concordo parcialmente com esse ponto de vista, pois as imagens têm um valor próprio. São tão texto quanto o texto escrito. E elas nos encantam também pela beleza e qualidade, não funcionando como muletas, mas adicionando significados. Vários gêneros literários, ainda que adultos, mantêm o vínculo com o imagético, caso dos quadrinhos e mangás.

No caso, entretanto, do livro de Novak, é uma relação de quebra de expectativa. Afinal, livros para serem lidos para crianças têm imagens. Isso, portanto, pressupões uma criança que não sabe ler ou uma criança recém alfabetizada. Nessa fase, as crianças já manuseiam os livros, conhecem algumas histórias de cabo a rabo, como é o caso dos contos de fada e são capazes de, com o livro na mão, recontar ou inventar uma história própria a partir das ilustrações. Ou seja, o livro ilustrado é um universo que elas dominam, ainda que não consigam propriamente decifrar o código escrito.

O Livro Sem Figuras não traz imagens o que por si só já é uma quebra de protocolo. Além disso, as fontes são esquisitas, espalhadas de forma diferente na página, com cores e tamanhos diferentes. Tudo novo. Quebra de expectativa total. E o humor é basicamente isso, uma quebra de expectativa.

Mas o principal elemento de diversão nessa história não é o livro em si, é o adulto que assume o papel de narrador. Logo no começo da narrativa, o narrador vai explicar o que qualquer adulto compreende muito bem, a relação entre o leitor e o ponto de vista da história. O leitor precisa se conectar com o narrador e seguir o que ele determinar, mesmo que sejam barulhos, situações inusitadas e palavras inventadas. Ou seja, o adulto, como narrador, vai se colocar numa posição ridícula e a criança vai perceber isso.

Então começa um festival de absurdo. Cada vez mais engraçados. E o adulto preso ao papel de narrador. Obrigado a ir até o fim. Claro que boa parte da graça está nas caras e bocas que o leitor precisa fazer. Uma interpretação. Como pessoa que vai ler para a criança, é necessário uma leitura prévia e um ensaio de que caras fazer. Quanto mais escandalosas, mais a criança vai rir. Por isso, pode se soltar e se divertir.

Esse livro, para mim, é incrível. A ideia de Novak foi brilhante. Ele brinca com uma noção importantíssima na literatura: o narrador é uma construção do texto. Nós nos habituamos a confiar cegamente no narrador, como se ele só dissesse verdades, bem, Novak está mostrando bem cedo às crianças que ele pode ser apenas um sacana e que acompanhá-lo mesmo assim pode ser divertidíssimo. Sem falar no óbvio, ensinar as crianças que o grande mérito do texto escrito está apenas na palavra. É a palavra quem tem o dom maior de encantar, com ou sem imagens. 

Certamente, é um ensaio positivo para obras mais densas.

Deixo aqui embaixo o vídeo da leitura feita por Maria Clara Gueiros e Lúcio Mauro Filho para a editora Intrínseca.


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