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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Americanah

Oi, gente!
Como foi a virada de ano de vocês? Fim de ano é sempre época de refletir sobre o que poderia ter sido e o que ainda pode ser. O meu fim de ano foi muito promissor nesse sentido. Mas esse é tema de outro post.

Hoje, trago mais uma resenha de livro. Dessa vez, um livro adulto. Uma das promessas que me fiz ano passado foi ler alguma coisa de origem africana. Sempre que falo sobre a literatura da África, sinto que me falta base. que nos falta base. Fala-se ainda de um continente como se fosse um país. E da pobreza como se fosse uma condição que permeia a todos naquele lugar. E toda generalização é burra. 

Tinha me programado para começar essa inserção no continente por Mia Couto, moçambicano de sucesso no meio literário e que compartilha conosco a língua portuguesa. Mas o discurso feminista de Chimamanda Adichie acabou chamando minha atenção e pulou a fila. Além do fato de ela ser uma negra. O que a meu ver confere um pouco mais de proximidade com a realidade local que eu gostaria de ver.

Adichie tem livros premiados como o Hibisco Roxo e o Meio Sol Amarelo. Esse dois têm temas pesados como violência doméstica e opressão religiosa. Eu, particularmente, não estava com vontade de começar minha exploração literária pelo óbvio do sofrimento. Então, encontrei Americanah, uma história de amor entre um homem e uma mulher, um assunto ameno, mas que serve como plano de fundo para mostrar o que nos parece invisível.

Em Americanah, acompanharemos a história de Ifemelu e Obinze, dois nigerianos que se apaixonam ainda na escola. Os dois são classe média, embora Ifemelu seja filha de um funcionário de empresa particular que chega a ficar desempregado e Obinze seja filho de professora universitária, o que lhe garante certas regalias. Eles vivem todos os conflitos normais da adolescência, a timidez, a iniciação sexual, a diferença entre famílias. Tudo igualzinho a qualquer lugar no mundo.

Em paralelo, Adichie aproveita o contexto da Nigéria dos anos noventa para falar da influência funesta de certas igrejas evangélicas sobre um povo crédulo e ignorante, para tratar das relações de poder dentro da sociedade, onde a ética está diretamente ligada ao dinheiro, ou seja, tudo que as pessoas ricas fazem é correto ou é amenizado, para comentar o papel submisso da mulher, que mesmo com maior escolaridade e ganhando mais, ainda depende de uma figura masculina para ser alguém.

Em determinado momento do livro, Ifemelu e Obinze estão na universidade, porém, as greves são frequentes. Alguém sugere que tentem bolsas no estrangeiro. E Ifemelu é a primeira a conseguir a bolsa nos Estados Unidos. As promessas de reencontro entre eles são inúmeras, entretanto, quando chega a vez de Obinze, caem as Torres Gêmeas e os EUA fecham as suas portas para os estrangeiros. O que vai gerar uma separação de mais de dez anos entre eles.

A parte do livro que corresponde a Ifemelu nos Estados Unidos é a mais doída. Pelo menos, para mim, foi. Pois é onde vemos que o exótico está em nós, está nos nossos "olhos ocidentais". Adichie é divertida, de leitura fácil, mas é contumaz e objetiva também. Traz um caleidoscópio de situações em que fica claro o quão preconceituosos em níveis tão profundos nós somos. Em uma situação, Ifemelu conta que só se sentiu negra quando chegou na América, porque antes disso ela se sentia gente. Que só percebeu que havia diferença lá. E é bem isso. Você tem salões para negros, escolas para negros, bairros para negros. Fora desses lugares, o negro é exótico. As pessoas a param para falar de caridade e de assistencialismo e ela deseja várias vezes ser do lugar que dá ajuda ao invés de ser do lugar que recebe ajuda, pois sempre tem que se posicionar como a agradecida, sendo que as pessoas não a tratam bem.

Simultaneamente, acompanhamos o crescimento de Obinze em Lagos na Nigéria, o que também não foi fácil. Apesar de ser um cara competente e honesto, Obinze vai perceber que a Nigéria é um poço de corrupção, onde as pessoas enriquecem de maneira ilícita de forma fácil, contanto que não tenham escrúpulos. Depois de uma temporada terrível na Inglaterra, Obinze se torna uma dessas pessoas. E se inicia no mundo dos negócios sendo laranja de uma operação financeira. Fica rico e vazio. Casa-se com uma esposa religiosa e vazia, que não o faz feliz, que não o contradiz, que faz tudo o que uma esposa nigeriana da melhor qualidade deve fazer, mas que tem personalidade zero e ele sente falta da sinceridade de Ifemelu.

Ifemelu, por sua vez, apesar de ter conseguido o desejado visto americano (depois de namorar um branco rico, diga-se de passagem), também começa a se sentir vazia. Começa a sentir falta de ser nigeriana e dos traços típicos do seu povo. Sente falta também de Obinze. Resolve voltar. E aí vem uma outra nuance da história que nós brasileiros conhecemos bem, o complexo de vira-lata. Ao voltar para casa, Ifemelu reclama de tudo, do trabalho, do trânsito, da comida, dos serviços, até tomar consciência de que nos Estados Unidos também não é tudo perfeito.

O reencontro com Obinze é inevitável. Os dois vão ter de se readaptar às pessoas que se tornaram e aceitar as suas imperfeições É um final aberto e bonito. Simples como a situação pedia. Gostei. Os personagens me ganharam. E eu recomendo. Poderia dar pelo menos uma dezena de exemplos desse livro que me tocaram, mas o post ficaria imenso. Apenas recomendo a leitura. Foi uma experiência muito bacana. E, principalmente, cumpriu um dos objetivos da literatura, abrir seus olhos para realidades que simplesmente não alcançamos. Terminei essa história muito mais empática do que comecei.

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