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quinta-feira, 14 de julho de 2016

Rodízio de Pizza

No final de semana, já virou quase um hábito mensal, vamos a um rodízio de massas daqueles que surgiram pela Treze de Maio. A Bia adora macarrão e é a sensação do lugar todas as vezes. Os garçons param para ver sua desenvoltura com a massa. E essa diversão garante uma noite sem interrupções, pois, em geral, ela ainda acorda de noite pedindo leite, mas em dia de macarrão é sono pesado mesmo.

Da última vez, em particular, no mesmo espaço que a gente, havia uma daquelas mesas enormes cheias de adolescentes. Esse lugar em que vamos, tem um espaço com ar condicionado e um espaço aberto. Em geral, os adolescentes, que brotam nos rodízios de pizza, escolhem o lugar mais aberto para poderem falar alto e tentar tirar a atenção uns dos outros dos seus respectivos smartphones. Não foi o caso do grupo em questão. Eles tomaram o nosso espaço.

Você deve imaginar como foi a noite. O barulho era insuportável. Não que eles conversassem, isso é raro hoje em dia, a questão é que é difícil organizar três ou quatro pessoas e o prato de comida nas fotos que vão para o Insta. Além disso, é realmente complicado ter essa vida dupla e ser interessante pessoalmente por mais de dez minutos  e na internet pela 24 horas por dia. Exige esforço. Tem que ser divertido, sexy, mas sem ser vulgar... Afinal, como a pessoa vai reagir se o crush der like? E se colocar o coração ao invés do positivo? E se o crush estiver na mesa e der like? 

Gente, o negócio mudou muito nesses últimos quinze anos em que tenho tentado ser adulta. Certas coisas, obviamente, continuam as mesmas, pude verificar. Os garçons, por exemplo, continuam sem conseguir sair do campo magnético de uma mesa de adolescentes. Oito pedaços de pizza, não importa o sabor, eles topam da muçarela sem-vergonha à inexplicável pizza de cachorro-quente, é pouco ainda para quem tem um metabolismo tão acelerado. Depois dali, muitos deles vão dar conta de um pacote de Passatempo Recheado enquanto se atualizam sobre as últimas que seus youtubers favoritos aprontaram. Alguns, provavelmente, ainda vão gravar vídeos em casa, sonhando em se tornar o youtuber favorito de alguém.

O fato é que a disputa pela comida se tornou tão acirrada em dado momento que meu marido chegou a se desculpar pela escolha da noite. Afinal, não era justo essa overdose de adolescente, sala de aula e restaurante de fim de semana. Que nada! Eu estava fascinada com aquele material humano exposto na minha frente. Acho incrível como nessa fase da vida lutamos tanto para sermos ao mesmo tempo aceitos e nos destacarmos pelas nossas diferenças e particularidades. O cabelo fica azul ou de qualquer outra cor. O outro malha (só braço) e toma shake de proteína, a mãe que compra, é claro. Aquele ali assiste anime e leva o negócio bem à sério, como se tudo de Miyazaki a Dragonball seja arte em estado puro. Tem o tocador de violão que já aprendeu Pais e Filhos e aquela do Nirvana. Tem aquele que tá lendo As Brumas de Avalon e achando que finalmente adentrou o universo da literatura adulta. E tem o que vai fazer Medicina, o que por si só já é uma garantia de que ele é mais inteligente que todos os outros.
Em sala de aula, é fabuloso ver, com o passar dos anos, como uns substituem os outros. É como um jogo de cartas marcadas. Basta procurar em que carteira cada cartinha do seu deck sentou nesse ano. Tão diferentes e tão os mesmos. Em seis anos de Liceu, por exemplo, já achei que um menino tinha repetido de ano, quando na verdade era outro, bem parecido. Mas um fazia a vibe vagabundo e o outro era a versão religioso-nerd. Ainda bem que eu tenho a política de não chamar nem o diretor pelo nome em sala. Sou péssima com nomes e pretendo continuar sendo. Isso não significa que eu não me importe com meus alunos. Só acho que amizade com professor não é coisa de colégio. Na escola, eu sou a autoridade. O adulto responsável. E muitos jovens precisam mais disso do que de outro amigo.

Claro que existem pessoas incríveis nesse mundo e que ficam na sua cabeça para sempre. Mas mesmo elas são variações no espectro de clichês que é a adolescência. E isso tem seu lado positivo. Somos bem mais empáticos com experiências que já vivemos. Como eu ia reclamar daquela galera barulhenta no rodízio se eu era um deles faz tão pouco tempo? Se eu já fui expulsa de um Habib's por cantar parabéns para uma Coca-cola dezoito vezes? Verdade. E o pior é que nem era aniversário dela.

Felizmente, para o nosso jantar, a refeição do grupão já estava mais perto do fim do que do começo. Pudemos acompanhar de perto o dilema dos centavos. "Minha conta deu dezenove reais e trinta sete centavos. Você tem troco para cinquenta?". "Reais?". "Não. Centavos". Deu para sentir o friozinho na espinha daquele que faz a conferência final da conta. Preocupado se todos tinham pagado ou se ia sobrar alguma coisa de alguém para ele. Impressionante como a conta só cai com você naquele dia que você tomou Big Gym porque não tinha grana para a Coca-cola. Naquele dia que você foi a pé para economizar para o rodízio. 

Não tenho menor saudade dessa parte. Prefiro o atual: "Você vai ser um filho-da-puta se ousar tirar o dinheiro da sua carteira. Deixa que eu pago essa, porra! Não quero nem ver esse dinheiro. Enfia no cu". (Somos amigos de longa data, isso permite esse tratamento carinhoso)

Sinto mais falta de rir de qualquer coisa. Até o vento é divertido nessas mesas de adolescentes. Das imitações dos professores. Hoje, que coisa, eu sou a pessoa a ser imitada. Nosso grupo controle tinha o engraçadinho que fez uma série de imitações dos professores do colégio. Ele era tão alto. Tão magro. Tão sem chance de chamar a atenção de qualquer menina, que o jeito era fazer os meninos bonitos da mesa o acharem engraçado e tentar pegar uma amiga-da-ficante-do-gatinho. Sinto falta de exagerar todos os meus sentimentos e depois de dois segundos e um papo com um paquera no ônibus, não sentir absolutamente nada. E sinto falta dos abraços.

Quando a gente é adolescente, a gente abraça com uma vontade, não é não? Porque os amigos são para sempre. Porque não tem problema que não consigamos resolver com a nossa certeza de quem não sabe nada da vida. Porque todos os sonhos são possíveis. Porque, no espaço de um abraço, aquele carinha vai perceber que é mais do que amizade. Porque, de certa forma, nós ainda somos crianças nessa fase.

Vou ter de concordar com a minha contemporânea, Sandy Leah, "sou velha demais para ser jovem e jovem demais para ser velha". Olho para trás e vejo coisas incríveis, penso o quanto me diverti e que plantei sementes bem legais. Eu fui a adolescente que tinha de ser, no tempo certo, fazendo campeonato de quem comia mais fatias de pizza e contando os centavos para pagar três esfirras, o refrigerante e a passagem de volta para casa. Agora, apesar da saudade, a adolescência me diverte. Sempre digo que minha profissão é meio vampirismo. No meio dos meus alunos, nunca me esqueço o que é estar a fim de alguém que é demais para o meu caminhãozinho, nem de como uma prova surpresa pode ser um horror ou ainda, como a necessidade e a adrenalina ativam partes criativas do cérebro quando se trata de pesca.

No entanto, meu lugar é aqui. Nos trinta. Sem saco para balada lotada. Sem estômago para comida ruim. Levando criança para o pediatra. Pagando minhas contas. E vendo meus sonhos se tornarem realidade. Os amigos ainda são os mesmos. O amor é para a vida toda. e carrego a satisfação de não desejar ter feito absolutamente nada de relevante diferente. Espero realmente chegar aos quarenta, aos sessenta, aos oitenta, da mesma maneira. Ciente de que fiz o que tinha de fazer. Cada vez mais apurada. E feliz em observar que os anos passam como fatias de pizza num rodízio e é você que escolhe se vai querer vivê-los ou não.

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