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domingo, 7 de julho de 2013

Anos 70: violência e paixão

Estou particularmente feliz com o post de hoje, pois finalmente criei coragem para mais uma década de Os cem melhores contos brasileiros do século. Terminei a década de setenta. Nem acredito que só falta mais duas. Olho para o calhamaço de papel e me sinto orgulhosa por estar vencendo essa batalha.

Falando assim, parece que o livro é ruim. Nem de longe, viu, gente. Agora, toda coletânea de contos é complicada no sentido do gosto, porque tem contos dos quais você gosta, outros que são um verdadeiro castigo. Enfim, essa sequência da década de setenta não me agradou muito e acabei postergando mesmo. Quem nunca fez isso que me atire um exemplar de Os Lusíadas

A década de setenta é meio nebulosa para pessoas da minha faixa etária. Ela não é recente o suficiente para ter sido vivenciada por mim, tampouco é antiga a ponto de ser estuda na faculdade. Quem trabalha com esses autores, foi por vontade própria, não por indicação de professores. Sabe-se do geral bem geral, ditadura, copa do mundo, seleção brasileira, fusca, televisão... Mas, em termos de literatura, é meio vago, falta pedaços, não compreendo bem.

A seleção de contos desse livro não clareou muito essa imagem que tenho. Senti apenas um esvaziamento, como se os contos não falassem de nada, alguns contos são sobre coisa nenhuma, tão assim que nem consigo descrever. Não todos, é claro. Algo fica mesmo subtendido debaixo de uma agressividade e de uma violência incrível. Os contos são fortes em sua maioria. Não é para qualquer estômago.  A verdade fica suspensa como poeira no ar e meus sentidos não conseguem captar o todo. Faltam os óculos cor-de-rosa do conhecimento, acho. 

Para além disso, há sim uma forte crítica ao social, ainda que não se esteja apontando culpados. Não acredito que o auge da ditadura seja um período bom para se apontar dedos. Mas é interessante encontrar no já comum relato do cotidiano do brasileiro, típico da nossa literatura, descrições críveis das condições de trabalho desse nosso povo e da violência desse cotidiano marcado pela necessidade. Achei bacana. Bacana mesmo. É bem adulto.

Os contos que escolhi para comentar dessa década são: Feliz ano novo de Rubem Fonseca, O elo perdido de Otto Lara Rezende, A balada do falso Messias de Moacyr Scliar e A maior ponte do mundo de Domingos Pellegrini. Eu ia comentar Felicidade Clandestina da Clarice Lispector, mas tirei da lista para não ficar grande. Afinal, todo mundo já conhece esse conto que é o queridinho dos livros didáticos do ensino fundamental dois.

Feliz ano novo é chocante. Aliás, antes desse livro, eu mal conhecia Rubem Fonseca e agora sou fã. É bem agressivo e cru, entretanto, é fascinante o ponto de vista que ele escolhe. E a maneira sutil como ele coloca a violência no cotidiano. Nesse conto, é a história de um assalto numa casa rica na virada do ano, o leitor acompanha o ponto de vista do assaltante, seus anseios, sua relação com a riqueza e o luxo. Faz pensar na condição de uns com tanto e outros com tão pouco e no que gera tanta violência. Gostei demais.

O elo perdido é realístico e fantástico ao mesmo tempo, pois a explicação para o que acontece com o personagem é passível de diagnóstico médico, embora isso não seja questionado. Em algum momento, o protagonista vai esquecendo das coisas, o nome da mulher, quem é seu sócio, depois ele lembra e se aborrece, mas isso vai se agravando. Ao ponto de ele esquecer quem é. Fiquei me perguntando se é apenas isso, ou se é uma metáfora sobre as escolhas da vida, você muda tanto que chega um ponto que nem se reconhece mais?

Muito já ouvi falar sobre Moacyr Scliar, principalmente com a polêmica sobre As aventuras de Pi, mas pouco li. Pelo conto A balada do falso Messias, pude perceber que é um cara criativo, que sabe mexer com o imaginário popular. Esse conto se passa numa colônia judaica recém-formada no Brasil. De repente, um companheiro some e volta meses depois se dizendo o Messias que guiará seu povo de volta a Israel. Tem até certo humor negro nesse negócio. Não se pode adentrar muito para não estragar a surpresa. Eu gostei.

Por fim, A maior ponte do mundo, que entra nessa classificação da realidade dura dos brasileiros nas suas condições de trabalho. É a história de eletricistas que vão trabalhar nessa ponte. Trata-se mais de uma descrição das condições de trabalho do que um enredo com começo, meio e fim. Gostei. Fiquei pensando nesses trabalhadores da construção civil que fazem, mas não usufruem. A eles, é dado bem pouco, migalhas, como se fossem bichos e depois o esquecimento.

Bom, taí a década de setenta. Estou me preparando para os anos oitenta... A gente chega lá!

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